Até então aprendíamos por ouvir dizer. O jornal de 1950 pouco acrescentava à feitura do texto além do que se aprendera forçado sob o fogo da 2a Guerra Mundial, narrada pelo rádio. José Leal e Dulcídio Moreira improvisavam verdadeira estenografia para não serem passados para trás pelo concorrente, O Norte, que terminou fechando para só retornar como porta-voz da campanha de José Américo ao governo do estado. Lia-se o jornal menos pela notícia do que pela opinião. Daí, muitos Carlos Dias Fernandes serem mais importantes do que o jornal.
Lia-se o jornal menos pela notícia do que pela opinião -- Gonzaga Rodrigues
Ao chegar à direção de A União, Juarez Batista dispunha de meia dúzia de comentaristas que não davam à notícia ou a reportagem tratamento diferente. A escola de quem se metesse a repórter eram as agências de notícia, United Press, France Press e as nacionais Asapress e Meridional. Comecei a alinhavar alguma notícia local quando me botaram para copiar o noticiário radiotelegráfico.
Chegava, então, José Ferreira Ramos, que andara pela redação da Tribuna da Imprensa enquanto cursava Administração no Dasp, e com espírito crítico e salutar ironia tentava conscientizar-nos de que o jornal que fazíamos era um primoroso modelo de antijornalismo. Até aí, a notícia tinha um padrão fixo que começava sempre pelo tempo (“Realizou-se ontem, às 15 horas, etc”) e terminava com a lista hierárquica das autoridades presentes a algum ato solene. Era um jornal de eventos oficiais e culturais, minguado em sua liberdade política. É José Ramos quem nos adverte para a reforma deflagrada pioneiramente pelo Diário Carioca de Danton Jobim e a Tribuna da Imprensa de Lacerda. E nos fala de lide, de abrir a notícia pelo clímax ou com o que mais de imediato possa segurar o leitor.
É nessa fase que João Manuel de Carvalho engaja-se na redação do Jornal do Brasil e passa a trabalhar, frente a frente, com Alberto Dines e Calazans Fernandes.
Foram os João Manuéis e os José Ramos os mensageiros dos jornais-escola do Rio, aos quais se associavam as figuras mitológicas de Dines, Calazans e Pompeu de Souza. Sem esquecer Carlos Lacerda, ele próprio tirando partido de seu apurado espírito crítico aplicado a um didatismo bem-humorado.
Já maduro, veterano da minha taba, soube da presença de Calazans num ciclo de palestras sobre comunicação em Recife. Minha primeira reação foi a de ir vê-lo. Conferir a imagem intensamente projetada pelos companheiros que trabalharam sob sua batuta. Mas logo me lembrei do conto “Viagem aos Seios de Duília” onde o narrador, mestre Aníbal Machado, ensina, para nunca mais esquecermos, “como fica longe o lugar do passado”. Quem me garantia se o Calazans real iria corresponder ao titã que a distância do meio e do tempo projetara em meus ares de aprendiz?
Achei melhor, então, conservá-lo de longe, como voltei a vê-lo no belíssimo perfil que Ney Lopes ofereceu em sua antiga página de “Brasília EM DIA”, registrando a morte de mais esse grande brasileiro do Rio Grande do Norte.
Um dos primeiros detentores do Prêmio Esso de Reportagem, Calazans teve seus lances de estadista sem militar efetivamente na política. Conseguiu chegar a Kennedy e obteve, com os dólares da Aliança para o Progresso, bancar o método de alfabetização de Paulo Freire na cidadezinha de Angicos. Foi dele a ideia, envolvendo o governador Aluisio Alves de então. E tinha vínculos com a Paraíba: Calazans estudou no Diocesano de Patos e era amigo dileto de Odilon Ribeiro Coutinho. Ney Lopes o define como “o direitista de esquerda”.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 17 de março de 2024.