Decaído de uma passagem bem-sucedida para mim e o jornal O Norte, voltei ao Correio da Paraíba de 1973, vinte anos depois de ser levado por Afonso Pereira, o primeiro diretor do jornal de Teotônio Neto, a formar naquela equipe fundadora chefiada por Geraldo Sobral.
Era um espírito sensível ao chamamento religioso
Gonzaga Rodrigues
Dessa vez, na década de 1970, acolhe-me Carlos Roberto de Oliveira, da minha admiração, mas com quem eu nunca trabalhara, ele na editoria plenipotenciária do jornal. E foi com esses meus 22 anos sacrificados de batente, só interrompidos por azares de saúde ou da terceira República, que pude encontrar um jovem que morre agora com setenta e poucos anos sem mudar um só dos traços, gestos ou caracteres que surpreendi quando nos apresentamos, ele desviando rápido e atencioso os olhos do teclado para prenunciar no olhar que ia longe a luz de uma vida inteira. Olhos que evitei encontrar encerrado entre os lumes trêmulos de um velório.
O retrato que ilustra o convite para a missa do 7º dia não podia ser mais de acordo com o que guardei de Agnaldo Almeida. E mais perene ainda a lição trazida no verso do convite, recolhida do Apocalipse:
“E Deus limpará dos seus olhos toda lágrima, e não haverá mais morte...”
Do jornalista todos sabem. A ideia de compor um memorial vivo de A União com os que dividiram com o jornal o seu futuro antecipou a vivência e o testemunho dos que se aliaram vida afora com o modelo de profissional de imprensa, no seu trabalho individual ou de instrutor, mestre e líder por todo o tempo em que atuou.
Sua entrevista a Luiz Carlos de Sousa, para esse mesmo Memorial, resume uma experiência humana que tem parte com todos. Se há um dado que me enobrece é o de comparecer repetidas vezes entre as expressões de sua amizade. Amizade de concordâncias? Nem sempre. E nem sempre de me sair por cima.
Entre as meditações resumidas no texto “in memoriam”, distribuído entre os fiéis, tocou-me a que sempre divisei nos seus olhos, sublinhados por um riso poucas vezes afrouxado em risada. Breve como exige a verdade: “Uma cabeça sempre erguida frente a batalhas de modo inspirador”.
Algumas vezes rompia o assédio das redações, dos pequenos e grandes recintos onde pontificou, para, de repente, se recolhera algum batente em que se visse só. Sabe disto quem escreveu estas duas linhas: “Não era um homem perfeito, mas justamente face a suas imperfeições mostrou sua força e nos ensinou sobre a capacidade de mudança e sobre a resiliência”.
Era um espírito sensível ao chamamento religioso. Na adolescência teve sua iniciação entre os frades de Lagoa Seca. O sapateiro Agripino, líder sindicalista de sua classe, não podia ser diferente com os filhos. Preparou-os para toda a vida e devia ressurgir quando os surpreendia solitários. Não houve momento sério na vida de Agnaldo e do irmão Arlindo, com os quais mais de perto convivemos, em que a presença do pai não se fizesse denotar.
Por isso, não tive olhos para ver inanimado um irmão de afinidades e sentimentos que me deu tanta força nos momentos mais precisos. Filhos de lares diferentes, a vida nos juntou nessa irmandade de convivência profissional, amiga e familiar.
Uma vez, no momento preciso, remeteu-me ao Eclesiastes. Estava longe de supor que viesse dele, a pretexto de sua partida, esta invocação alentadora para os que ficam à beira do cais: “E Deus limpará de seus olhos toda lágrima, e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque já as primeiras coisas são passadas”.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 10 de março de 2024.