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Grato, amigos

publicado: 30/06/2025 08h40, última modificação: 30/06/2025 08h40

por Gonzaga Rodrigues*

Fui reencontrar a cidade das minhas relações, amizades, camaradagens ou dos meus respeitos, a cidade por dentro, na releitura de um livro da minha estante paraibana, memórias de Haroldo Escorel Borges. E voltei a me ver no que sempre fui sem forçar a natureza: justamente aquilo que, na cultura do meu interior brejeiro, as comadres e compadres chamam de “uma pessoa dada”, que se dá com todos. Suponho-me entre elas até porque comecei dado a uma família que me acolheu de corpo inteiro. 

Nas páginas em que Haroldo consegue enumerar, nome por nome, os moradores do seu tempo no Miramar de Dorgival, de Wilson Cardoso, Genival Pereira, de Benedito Belo, numa lista sem fim de saudosos, vejo-me dando um banho. Se chamassem todos à janela na hora da minha caminhada, eu só perderia para Damásio Franca, que, no âmbito de sua classe, entrava sem pedir licença em todas as casas. Mesmo nas dos adversários da política, iguais entre si no antigo Clube Cabo Branco.

Num livro de 350 páginas (Ideia editora), há leitura para os remanescentes do seu e do meu tempo e fonte de pesquisa sobre a educação em todos os níveis, da escola primária à universidade, onde o autor teve papel destacado como professor e diretor do Instituto Central de Ciências Biológicas. Vultos de todos os círculos vêm se juntar ao perfil biográfico de um pessoense que assistiu, participou e viveu o crescimento da cidade dilatada em espigões a partir dos anos 1970, em demanda do mar.

Conheci Haroldo no Cabo Branco, no hall da sede central, porta a porta com a Igreja da Misericórdia. Era ali um canteiro de quase todas as boas mudas que pegaram no meu terreiro de húmus brejeiro. Ali conheci e conquistei amizades abonadoras, como a de Celso Mariz, um velhinho lindo, que tratava as pessoas por “tu”, mesmo a Ernani Sátyro no governo.

Haroldo, um troncão de homem, trigueiro de sol e sal das nossas praias, das quadras esportivas, das pescarias, das urtigas e cajuais da restinga, e que chegava todo dia no mesmo horário de minha descida do jornal, quase em frente, para me sentir gente no café representativo de todas as nossas elites. Mesmo que esse portal do clube simbolizasse o espírito pouco eufórico do pessoense. Na primeira oportunidade, quando me foi dado colaborar na belíssima edição do álbum “Paraíba, a cidade, o rio e o mar”, levei o japonês da Manchete a gravar esse hall do clube e fazer dele uma página duradoura. Um dia... esse álbum será reeditado. O portal ainda resiste, fechado, sujeito a incêndio, mas as gravuras, se bem fixadas, sempre renascem. 

Em boa parte do livro, doutor Haroldo sai de si, da memória pessoal e familiar, para registrar o contemporâneo, esse contemporâneo que, na nossa idade, torna-se bem mais longínquo que o remoto passado da nossa infância. Salvo quando intervém a força da amizade, como ainda acontece comigo como aniversariante no 21 de junho, arredado do clube, do Ponto de Cem Réis, das redações, do alicio das ruas, mas redivivo na lembrança de amigos como Hildeberto Barbosa, Abelardo Filho, Sérgio Botelho, Tião Lucena, Ana Adelaide, Germano Romero, José Leite Guerra, dedicando o ouro do seu tempo e de sua escrita a uma criatura que não conseguiu sair das brenhas de pouco sol ou de pouca luz do seu nascimento. Luz que chega por reflexo das boas amizades como tudo que pude alcançar.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 29 de junho de 2025.