Conheci Luiz Ferreira na antiga Assembleia Legislativa, antiga de mais de 60 anos. Eu na desvantagem, Luiz já na frente, integrando o ambicionado quadro de funcionários da casa e me fazendo inveja com seu inglês da “Brasil–Estados Unidos”, além do pleno domínio da taquigrafia, arma indispensável ao jornalismo de então, suprido depois pelo gravador. Os bambas eram ele e Hélio Zenaide, da bancada oficial de taquígrafos.
Mas Ferreira, assim equipado, não entrara ainda em jornal. E curtia esse desejo até que surgiu o Correio diário, superada a fase semanal de experimentação. Iniciou-se sob a liderança de Dulcídio Moreira, o mais técnico dos profissionais de então, mestre da redação e da arquitetura gráfica do jornal.
E por aí viemos, iguais de vocação, afins em buscas literárias, mas por vias ideológicas diferentes. Unidos em Eça de Queiroz, tema permanente de nossas folgas e intervalos de convivência, Luiz cortava caminho ao esquerdismo ideológico em que eu me fundava ou me sentia firme.
Conheci Luiz Ferreira na antiga Assembleia Legislativa, antiga de mais de 60 anos -- Gonzaga Rodrigues
Foi dos primeiros a compor o quadro de elite da secretaria Extraordinária ou de Comunicação de anos futuros, culminando a carreira com a instalação da nova A União, quando transferida no governo de Sátyro para o Distrito Industrial. Sentiu nos ombros parte do ônus dessa transferência, atravessada na goela de alguns devotos dos meios culturais inconformados com a destruição do edifício simbólico da Praça João Pessoa,
Discreto, mas perseverante, Ferreira concluiu a montagem dos novos equipamentos, do off-set da moda, e restituiu ao público, em fase irrespirável da imprensa brasileira, um dos mais valiosos legados do nosso patrimônio cultural. A condição de jornal de governo, literalmente comprometida com o plantão oficial, não ficava muito atrás dos condicionamentos sofridos por qualquer jornal capitalista. No mundo, são raros os jornais sustentados apenas pelo leitor. As grandes tiragens salvadoras encolheram ante a concorrência da “leitura fácil”, da leitura dos que se informam sem precisar ler. Os que veem por cima, sem ser estimulados à reflexão.
Eram as nossas conversas, que foram escasseando com o despovoamento dos contemporâneos, retraindo-se a um ou outro telefonema.
Muito lido, sempre curtindo as leituras marcantes, foi largando o jornalismo e se apurando na composição da crônica de verdadeiro escritor. Escrevia com tal cuidado, com tal amor pela conotação, pela sugestão, pelo insinuante, que um dia brinquei com ele quando me perguntou se já havia aderido ao computador. “E há alternativa? A velha Remington nem fita tem mais. Fazer o quê?”. E emendei: “Só você continua escrevendo com pena de pato, se muito pena de metal, vivendo as nuanças de estilo do velho Eça”. No verbete que lhe dediquei para a antologia de prosa dos “Autores paraibanos”, editada com Neroaldo Pontes na Secretaria de Educação, notei que “seu estilo leve e mesclado de fina ironia carrega forte influência das polidas letras do século XIX, Eça de Queiroz à frente”. Que eu saiba, deixou dois livros prontos que a autocrítica manteve na gaveta. O que não está sendo diferente com Martinho Moreira Franco.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 1º de setembro de 2024.