No dia da cidade para onde vimos e com a qual nos transfundimos, ambos no vigor da idade, agora, nesse 5 de agosto de 2023, sai Neiva, José Neiva Freire, de vida completada para o descanso eterno; e saio eu, passando do tempo, a vagar do meu tugúrio por ruas de pouca fala, frontais caídos iguais ao meu, e janelas sem amizades, bons-dias nem saudares. Tempo virá de muita casa e pouca fala.
O sobrado mais invejado de entre os fins do século 19 para o 20 - o do jurista e presidente Gama e Melo – cercado de vizinhos tais como Floriano Peixoto é hoje um sepulcro sem coberta, sem cruz, sem defuntos nem orações, a rama parasita a cobrir-lhe varandas e ornatos com que os mestres italianos distinguiam a aristocracia assentada entre a Maciel Pinheiro e as ruas da colina. Uma vênia que seja, de índole histórica ou cultural dos que dizem se orgulhar da vila que já nasceu cidade. Cidade matriz fundada, quase sempre louvada, amada e construída pelos que vêm de fora e das suas antigas vilas, seja pela ode consagradora de um santa-luziense (o poeta Jomar Souto) ou pela louvação nacional ao Parque argemirista que a distingue e simboliza aos olhos do mundo.
É o que me ocorre, a janela ou esquadria aberta para o final da mata ao redor da qual saíram a plantar o que restou do voluntarismo construtivo do meu grande amigo José Neiva.
Vejo-o aqui chegando, quarenta anos atrás, depois de deixadas em salas e álbuns da vaidosa sociedade campinense o mais simpático e fiel acervo que um clique fotográfico podia fixar, revelar e gravar para os bons momentos da vida e da saudade. “Lindo, Lindo!” É o que se podia ouvir, retratinho na mão, da senhora mãe de Patricinho, Patrício Leal de Melo Filho, hoje sexagenário ou de quem visse a foto da filha de Dr. Queiroga, esposa do ex-deputado e empresário Manuel Alceu Gaudêncio.
Eu já me dava com Neiva, através de Chiquinho Duarte, meu primo e seu amigo
Gonzaga Rodrigues
Eu já me dava com Neiva, através de Chiquinho Duarte, meu primo e seu amigo. E vejo, surpreso, o fotógrafo favorito largar o estúdio e converter todo esse prestígio mais que profissional no desconhecido ramo gráfico inovado pelo sistema off-set. Nova e temerosa ousadia: deixar esse mercado já conquistado de Campina para enfrentar o de João Pessoa, concorrendo com empresas de referência nacional como a Santa Marta.
Instalou-se, situou-se, e em vez de esperar a encomenda passar de repente a fazer o mercado de impressos padronizados , este sim, a esperar pela Grafset, marca paraibana que se aventura a concorrer com indústrias de grande porte. Conquista o Nordeste. Acha que ainda falte o melhor, estranha que os estados federados soneguem a Geografia e a sua própria História dos filhos na escola, sobretudo os nordestinos, e faz da gráfica a editora cívica com seus atlas ou cartilhas com a Terra e a História merecedoras do orgulho provinciano. Assessora-se, convoca, e dá a Pernambuco, Rio G. do Norte, Bahia, Alagoas, Sergipe, todos, aquilo que o currículo oficial ditado pelo MEC deixa passar por cima.
Ele o motorista, olhos na estrada e num horizonte que, a seu lado, indo a Recife, a Maceió, a Natal, a Fortaleza, eu estava longe de alcançar. E até mesmo de acreditar. Tanto que não acreditei na notícia, com a melhor foto, de que Neiva acabava de completar sua viagem. Participando de sua mesa, há um mês, ele numa cadeira de rodas, a expressão do rosto e toda a conversa era a de quem continuava na estrada.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 13 de agosto de 2023.