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Não perco por lembrar

publicado: 24/11/2025 08h31, última modificação: 24/11/2025 08h47

por Gonzaga Rodrigues*

Dez páginas apenas, em corpo 10 dos velhos magazines de linotipo...

Há prefácios assim. Esse de meus frequentes retornos é assinado pelo inesquecível professor José Pedro Nicodemos à edição da nossa Universidade, sob recomendação de um conselho editorial dirigido por Francisco Pontes da Silva, in memoriam. 

Leitor, de ordinário, preguiçoso, salvo quando a leitura não depende de mim, mas de seu próprio fascínio, tenho ficado muitas vezes no prefácio. Não raro sem me queixar do que foi deixado mais adiante. Não é o caso da pequena obra prima a que aludo, bem posterior às minhas recorrências frequentes à edição príncipe das “Datas e Notas” de Irineu Pinto. Livro de 1908, cedido por José Leal à biblioteca da API enquanto durou a sua presidência, mas pertencente à sua biblioteca particular.

Um parêntesis, não posso omitir, voltando a um momento em que o ideológico se rende ao remorso: derrotado pelos novos de maioria esquerdista a que pertenci, chocado, ainda que ciente previamente de minha opção, vi e continuo a ver o velho Leal a descer as escadas que, com tanta pertinácia, construíra. Remoído lá dentro, tive a lembrança de ir a sua casa restituir o livro que o acompanhava onde mais demorasse. A API era a sua segunda morada. Eu não tinha certeza de ser recebido, mas pressenti ser esta a minha obrigação, já que não podia devolver os favores recebidos nos dias de iniciação.

Bati palmas, veio D. Ester, que me recebeu de rosto maternal como sempre, e o resultado é que o livro propiciou-me a graça silenciosa do perdão. Mas voltemos ao prefácio que senti necessidade de reler, a cada frase repontando não só o estilo como, sobretudo, o homem de boa casta, puro, que conheci em professor Nicodemos.

 Repórter nos anos do governo Pedro Gondim, que trouxera para sua equipe novos valores, “estranhos” para um público já enfadado com a repetição dos quadros de 30, surge entre os “novos” o professor Pedro Nicodemos. Discreto em tudo, soube encobrir-se sob o pálio da educação que soube como poucos ministrar e difundir.

Lembro-me da vez em que acompanhei uma visita do governo inteiro a uma escola de Alagoa Grande. Estavam lá Pedro Gondim, seguido de uma fila de carros pretos de auxiliares. Pedro, que era eloquente, mal falou, o que se ouviu foi um coro de professoras e alunos a manifestar a consciência da educação que desejavam e da qual dependiam em meio à pobreza sua e do lugar. “Nos dê alguma coisa em que plantemos, já que a terra nunca mudará de plantio e de dono!”. Enquanto não chegava o fôlego ao governador, Nicodemos interveio: “Bendita hora esta em que nos confiais a lição”. Sereno, o secretário não escondia a sua felicidade. Não era de direita nem de esquerda numa hora em que isso era cobrado. Era professor, fosse na sala de aula ou introduzindo o leitor virgem ou culto numa obra que nenhum paraibano de leitura possa desconhecer. Obra que requer nessa fase chamejante de A União  uma edição de luxo, encadernada a ouro, e outra popular para o completo suprimento da rede escolar e de todas as bibliotecas públicas.

Há outra página de Nicodemos que muda tudo o que a escola ensina sobre os “voluntários da pátria” à guerra do Paraguai: eram negros esses voluntários. Negros que Lima Barreto descreve garroteados e embarcados para dar nome e glória  aos vencedores brancos de uma guerra extremamente desigual. Negros a quem o irmão de raça José Maria dos Santos credita o êxito das forças brasileiras na guerra do Paraguai. Está no meu livrinho “José Maria dos Santos” in Nomes do Século.  

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 23 de novembro de 2025.