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O café de Biu

publicado: 10/07/2023 12h08, última modificação: 10/07/2023 12h08

por Gonzaga Rodrigues*

Na cabeça de Sérgio Bernardes, que me lembre, as laterais da praça do Espaço Cultural seriam ocupadas com lojas ou pontos de arte, desde o artesanato a itens como os da antiga discoteca, livraria, cordel, se possível com a presença do artesão em sua própria tenda. Severino Ramos, que fazia parte da rodada de sugestões no gabinete entre livros do governador de então (a obra estava ainda em construção) alertou para que nesse ambiente não faltasse o café, um Alvear aberto a novos fregueses. O café que dá espírito.

E foi de que me lembrei - esse quadro de sugestões ressurgindo em seu frescor - ao ler entrevista recente da nova regente do Espaço, ao mesmo tempo em que A União instalava, com sobradas razões, sua ousada livraria numa das lojas solitárias ao redor do grande palco do Espaço, que  é a praça.

Ousada e significativa, sem dúvida. Nos 130 anos de editora, única nesses anos todos a bancar a publicação da literatura e da história da Paraíba, pela primeira vez A União se vê com estoque suficiente e rico para abrir sua própria livraria. E num tempo ou num mirante cultural em que se divisa ou agoura o fim do livro. Fim que há de  ser como o da colher, como já se cantou.

Pela primeira vez A União se vê com estoque suficiente e rico para abrir sua própria livraria
Gonzaga Rodrigues

A loja ficou pequena para a grande vitrine que a sua produção está a exigir, empilhada numa mesa de tênis e se apertando entre os expositores das laterais, acrescentando-se ao seu próprio acervo as novidades de qualquer livraria. Encontrei lá, além dos volumes que me faltavam de fases anteriores à atual, uma reedição de “O apanhador de centeio” de Salinger, não lembro se com a mesma tradução dos anos 50.

Não pude demorar, mas bem que ficaria mais tempo, roçando a mão e o olhar de livro em livro, se vizinho à livraria ou pegado com ela pudesse vaguear as ideias à mesa de um café ao lado de um parceiro ou parceira, para falar de livros ou do que escreveu no dia Ana Adelaide, Milton Marques, José Mário ou Hildeberto com seus quarenta parceiros de coluna, a maioria jovem,com guarida no jornal sem se obrigar de forma absoluta à leitura eletrônica. O café da lembrança de Biu ou de um poeta do século 18, Pope, citado por Paulo Ronai, para quem o café tornava sábio o político e permitia a ele, o poeta, perceber tudo com os olhos semicerrados.

A Fundesp tem espaço para o público do grande concerto, do cinema, da conferência, das feiras especiais e, com João Azevedo, da posse solene. Abriga a biblioteca da mais jovem frequência, que lá se acomoda no mais proveitoso silêncio. Mas faltam-lhe, a meu ver, a mostra permanente das nossas artes plásticas, a pinacoteca que, por pouco, Hermano José não conquistaria no governo de Ivan Bichara. Diógenes Chaves, em seu dicionário, catalogou o que pôde nesse vasto campo das nossas artes. A maioria, entretanto, o público vê debaixo de chuva, nos novos frontais de edifícios ou nas salas de recepção de alguma entidade. Vê por sua conta, sem a didática do museu ou pinacoteca. Isto nos falta. Como nos falta a mesa de café como fermento da São Braz ou de outra marca mesmo de fora  à nossa cultura.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 9 de julho de 2023.