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O caminho de volta

publicado: 04/08/2025 09h06, última modificação: 04/08/2025 09h06

por Gonzaga Rodrigues*

Um amigo me indaga sobre a crônica publicada há três semanas em que trato do meu apego a João Pessoa, em detrimento de outras cidades, a exemplo de São Paulo.

O problema não é das metrópoles, é meu, inteiramente meu. Em verdade, não andei muito, mas, das poucas vezes em que me achei fora de casa, achei-me, também, fora de mim. Não me encontro em qualquer das situações, mais cômoda e animada que pareça. A vontade é voltar, entrar na ruazinha estreita e sinuosa de Cruz das Armas, medir-me com o muro baixo, a casinha em que, andando a pé, avista-se o telhado de lodo e heras.

Já descrevi esse embotamento na Terra da Garoa: “Passei quatro dias sem dar uma palavra, a não ser o convencional bom-dia aos porteiros do hotel, nem sempre levado em conta. Já estava me convencendo de que os outros também não falavam. Uma multidão sem vozes a se apertar entre os espigões.

Descia o hotel, atravessava a rua, deixava-me ir na correnteza humana, a angústia numa opressão maior que o peso geral dos edifícios. Já sabia onde entrar, como sair, mas perguntava pela rua tal só pelo prazer de ouvir alguém falando. Não pretendia comprar e abordava os rapazes das lojas. 

Todas as noites recolhia-me ao quarto do hotel com tristeza. Uma sensação de desamparo, de criança perdida, embora me achasse entre tantos milhões de semelhantes“.

Não adianta insistir. Recentemente tive bom hotel, boas companhias, mas a grande alegria foi quando marcaram a passagem de volta.

Quanto mais para o interior da terra, mais para o interior de mim. Campina Grande, então, é a viagem mais completa. Tanto no tempo quanto no espaço: a ponte, o canavial, o Açude Velho, os Paus Grandes, a rua do Sertão, eu em pessoa. Da ponte do Sanhauá até o meu interior, não só o hinterland, mas a alma mesma. A infância que ficou em cada pau d’arco dos caminhos, que remanesce no pequeno cais que era tão alto e comprido e de onde se avistava o começo e o fim do mundo, hoje despercebido.

Até Recife, que é de uma mesma natureza, parece-me estrangeiro. Por mais que eu admire os recifenses e os pernambucanos como um todo. Cidade que tinha tudo para eu amar e gostar, desde o casario navegante e das avenidas fluviais aos fantasmas das revoluções libertárias. Recife inventado para a tristeza cósmica de Augusto dos Anjos.

Não vejo a Rua da União, nem o “Recife bom, Recife brasileiro como a casa do meu avô”. Os novos mascates da miséria o encobriram, passaram por cima das lajes históricas, acamparam nas inscrições e caminhos sacros.

Diferente de João Pessoa, que recebe no centro, no âmago urbano, bem no coração. O interiorano desce na estação e, mesmo a pé, sem vintém, chega a Tambaú por uma reta de sombras, dos oitis da Pedro Américo aos coqueiros de Cabral Batista.

Convenço-me, assim, de que o melhor da viagem é o caminho de volta, a curva do Conde e as casinhas de telhados visíveis da Avenida Cruz das Armas, onde dorme para sempre o meu irmão Durval Leal.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 02 de agosto de 2025.