Faz tempo!
Tarcísio Patrício de Araújo conseguiu salvar das coisas perdidas uma meia dúzia de contos de Robério Toscano, um aficionado do gênero que não frequentava as rodas convencionais dos nossos literatos. Tarcísio é um paraibano de formação técnica, que integrou, salvo engano, a equipe do governo Jarbas Vasconcelos e que não perdeu os vínculos com a Paraíba, menos ainda com a cultura da terra. Nosso Cartaxo, paraibano de Cajazeiras há décadas morando em Recife, poderá conhecê-lo.
E é esse espírito da terra, esses dotes genéricos de vocação, que ligou o interesse de um profissional da área técnica, preso a leituras mais pragmáticas, a matérias que a maioria do seu ramo catalogaria no escaninho das amenidades.
Robério Toscano era tomado por uma grande compulsão, a de exorcizar pelos meios possíveis seu inconformismo com o falso, o arbitrário, o artificioso que domina quase todas as nossas ações. Era um indisposto insociável com tudo o que a gente não quer fazer, não aceita, não gosta de fazer e faz que gosta, dissimulando fobias e ojerizas nesse teatro imemorial da civilidade.
Diferente do corpo, que vomita ou exsuda rápido o que lhe causa náusea, o espírito enche a bola na mais elástica tolerância até transtornar ou modificar a criatura inteira.
Os contos de Robério flagram essas pequenas tragédias socialmente dissimuladas. Vezes há em que, numa historinha de nada, atinge o patético ou o humor trágico. Rimos e temos pena de nós, pobres atores.
Robério morreu disso ainda bem moço. De não ter luz, dons e estímulos suficientes para escrever o seu “O Estrangeiro” ou, não indo tão longe, o seu “Isaias Caminha”. Mas os contos que deixou iam além dos nossos comuns limites de expressão. Situo no passado, “iam”, porque já não disponho de uma pequena reunião que ele, há mais de vinte anos, andou publicando.
E foi isto o que moveu Tarcísio Patrício a reclamar o resgate dos escritos de uma pessoa que ele achava estranha, esquisita, mas excepcional quando escrevia.
O que fazer em busca desse legado?
Imagino reuni-lo em livro com outro autor inédito do seu tempo, Geraldo Sobral de Lima, e redimir a literatura da Paraíba de um vazio que não tem perdão. Ainda mais de um gênero, o conto, o qual, excetuando as obras de Maria José Limeira, Adalberto Barreto, Maria Valéria Resende e Aldo Lopes, ainda é bissexto entre nós.
Com essa fase dourada da nossa editora de A União, nada mais oportuno que viesse à tona a recolha de Tarcisio Patrício. Como encontrá-lo em Recife, tantos anos depois da sua queixa?
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 12 de fevereiro de 2023.