Em maio de 1841, o presidente da província, Pedro Rodrigues Chaves, dirige-se ao governo imperial pedindo “alguma quantia” para consertar o Palácio em que reside, nos termos seguintes recolhidos por Irineu Pinto em suas “Datas e Notas”: “...é um casebre indecente e tão velho que estou vendo o momento em que me cahe em cima e de toda minha família ... não tem mobília ... não há preparada uma sala para cortejo, nem um retrato capaz de S. Majestade o imperador. Só posso assegurar que, mesmo particular, nunca vivi em casa tão ordinária e tão desmontada...”.
Se daquela vez o casebre passou por melhoria ou não, dez anos depois, morando e despachando nele, o presidente B. Rohan, valendo-se de um jardineiro francês que demorava em Recife, já incrementava o cultivo do largo ajardinado que viria ser a praça cívica da era republicana. A partir de Castro Pinto, de João Pessoa ao João Azevedo do primado tecnológico de hoje, o Palácio, convertido em Museu, chega ao símbolo mais solene da nossa História.
Foi este o cenário mais impressionante e ao mesmo tempo influente em que gravitaram os meus olhos e minhas esperanças de moço recém-chegado do interior, a quem foi dada a chance de ver de cima, num balcão entre colunas de feição romana do belo edifício do jornal, um cenário que lembrava o do Catecismo Ilustrado, deslumbre de infância segregada nos grotões de minha Alagoa Nova.
No ano seguinte, 1952, sou admitido como extranumerário contratado na folha do jornal e cedo ingresso no encargo de anotar as audiências e visitas do expediente do senhor governador. Deu-se, aí, uma convivência. Acanho-me em declarar “intimidade”, a não ser com o aparato ornamental próprio do ambiente, ao visitante, ao próprio funcionário, a exemplo de uma Ismália Borges, na primeira linha de assessores do governador José Américo, ou a dona Rita, belo exemplar de negra, lá atrás, confundida com o aroma único do seu café, o compartimento que mais assiduamente frequentei independente de quem estivesse no governo. E de onde avistávamos as naus de azulejo português que decoram um painel interno ao lado da antiga copa. Passei a vida trabalhando perto, salvo quando Ernani Sátyro derrubou o palacete de meu mirante para dar corpo à fantasia dos três poderes.
Mas a História, com seus instrumentos, tem sua força. Numa época de mudanças radicais, sufocada pela combustão dos motores e dos artifícios guerreiros, alienante pela comunicação fácil e da qual ninguém escapa — as matrizes da religião e da história a se autodestruírem —, vem um jovem feito com esse instrumental e dele se aproveita em favor da casa velha ou da casa nova, construída com dinheiro público, mas criminosamente abandonada como a antiga sede do Paraiban, construída no governo Burity.
Ali cabe uma Assembleia, uma Câmara, um centro administrativo inteiro da forma como está sendo reconstruído. O Palácio incrementado para Museu de História da Paraíba é o coroamento excepcional de um cuidado cívico e cultural que, exceção feita ao governo Burity, outras expressões culturais no poder não tiveram.
Não é por acaso que esses dois governadores que constituem a exceção são justamente os dois que tiveram ouvidos para os reclamos da nossa Academia Paraibana de Letras. Burity ampliou a sede, na gestão de Manuel Batista; e João Azevedo abrindo licitação para a construção do memorial Augusto dos Anjos, anexo à academia.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de Outubro de 2025.