O relojoeiro me fez viver um contentamento de menino, uma alegria de camisa nova, ao devolver-me recuperado um Mido de corda que dois amigos inesquecíveis me deram de presente.
Nesse tempo, o do presente, o Banco Indústria e Comércio, dos herdeiros de Flávio Ribeiro Coutinho, tinha uma agência na Duque de Caxias, ao lado da velha A União, hoje Assembleia. Era a agência de Edmundo, tio do poeta e escritor Geraldo Carvalho, pessoa tão comunicativa que fazia desaparecer o nome do banco; para toda a cidade o banco era dele, de Edmundo.
E lá eu parava, mesmo sem conta nem cadastro, sentava ao lado do maior acionista, Francisco Leocádio Ribeiro Coutinho, (Chico “praqui”, Nêgo pra lá) ambos a atiçar a verve de Edmundo, um sujeito lido e culto sem bancar o intelectual. Poucos se lembram dele, até porque poucos são os sobreviventes desse tempo.
Uma tarde, passando na calçada do banco, assaltam-me os gritos de Chico e Edmundo chamando-me para o abraço. Tinham lido o registro do meu aniversário. E ordenaram numa voz só: peça o presente! Esquivei-me, saí desconversando e, quando volto, estão os dois com o belo foliado que, passados quase cinquenta anos, pude recuperar.
“Uma tarde, passando na calçada do banco, assaltam-me os gritos de Chico e Edmundo chamando-me para o abraço. Tinham lido o registro do meu aniversário. E ordenaram numa voz só: peça o presente”
Quebrara o pivô, outras peças que a Mido não fabricava mais, e há meses deixara, por deixar, com o relojoeiro.
Há duas semanas ele me telefona para entregar-me a joia de volta, ou melhor, os amigos Chico e Edmundo perfeitamente recuperados.
Não sei, na Psicologia, o nome que tem isso de os objetos não apenas lembrarem as pessoas, mas fazê-las voltarem ao nosso ritmo de alguma forma, nos servirem de companhia. O Mido de Chico ou de Edmundo, eles esgarçados na sombra distante, e o Mido aqui, pulsando por eles.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 19 de março de 2023.