Ontem, Luiz Augusto Crispim fez 80 anos. Digo fez porque, enquanto houver leitor da obra que ele nos legou, o menino que nasceu em Tambiá estará vivo.
Crispim sempre escreveu para o leitor de qualquer geografia da nossa língua. A poesia de sua linguagem anula fronteira; é um dos poucos, de frente para a província, que pode ser lido na Gávea, no Anhangabaú, por pessoas que nunca estiveram em nossa terra nem conheceram nenhum dos seus personagens.
Se o jornal de província entrasse nos hábitos de leitura de São Paulo ou do Rio, levando crônicas como a de Crispim, o preconceito do grande centro, se não fosse anulado, teria sido atenuado. E vou dizer o que todo mundo sabe: a poesia desconhece fronteiras, mesmo a que nos chega traduzida, carente da plenitude de expressão da língua original.
Com essa universalidade, não apenas presumível, mas constatada por uma militância premiada em vários jornais e revistas fora da Paraíba, Crispim poderia seguramente ter desertado, ter feito o que fizeram os mais cortejados cronistas e poetas do Brasil, a maioria saindo de Minas, outros do Rio Grande, e o maior deles de Cachoeiro do Itapemirim.
Mas não. Foi ficando, preso a esse azul que lhe iludiu o espírito, que forrou-lhe a paisagem interior, que pousou com o vento nas suas janelas, “azul almiscarado” de uma de suas crônicas de confissão.
Azul já identificado pela leitura de Ângela Bezerra de Castro, no prefácio de “A Dama da Tarde”. Diz ela: “O cronista em sua fase azul, entre o céu e o mar. Azul de alma de menina, de pássaro, de rapsódia. Azul de manhã flutuando ao vento, de olhos profundos, de palidez. Azul de historietas de porcelana. Azuis na vida desta pobre gente de tão acinzentado viver”.
Só que não houve apenas uma fase.
E o que este lugar lhe oferecia? Uma banca famosa de advogado? Uma chance de vida pública mais central, mais próxima da grande corte? Um poeta/prosador de tiragem nacional?
Daqui, é claro, fica-se muito mais difícil e distante.
Mas foi o que ele preferiu. Nem preferiu. Deixou-se ficar. Amoldou-se, por motivos que só os poetas conhecem e nem sempre explicam. Acostou-se à mansarda que sonhou habitar, toda feita com o “barro azul das manhãs de outono”, como sai não por acaso das suas metáforas.
Dispondo de todas as velas enfunadas para o voo da glória exterior, da glória aos olhos alheios, muitas vezes datada, quase sempre passageira, entregou-se ao encantamento deste “mundo estacionário”. Mundo que muda pouco, muitas vezes mesquinho, apertado, mas, a gosto do poeta, “os espaços arborizados dando a impressão de que é sempre domingo na natureza”. Domingos que ele próprio fazia, obras de sua própria criação.
E como soube fazer! Ou melhor, como soube repartir com a cidade dos seus afetos a luminosidade desse olhar. Como soube nos despertar para certos ensombrados da realidade! Como nos ajudou a ver!
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de agosto de 2025.