Ou “Os grandes do nosso mundo”, que é o título de um livro de perfis biográficos.
São perfis não mais que de duas ou três páginas, o bastante para reagirmos à névoa do esquecimento e trazer de volta expressões humanas que clamam, algumas delas, pelo recurso grego ou romano da estátua.
"São perfis não mais que de duas ou três páginas, o bastante para reagirmos à névoa do esquecimento"
Gonzaga Rodrigues
No fervor veraz como descreve o gênio de Sivuca, não faltou a Ipojuca Pontes essa lembrança: “A Paraíba tem o sagrado dever de erigir o busto do grande músico”. Quem descordaria? Não sei se cabe a pergunta: o busto a Camilo de Holanda, pioneiro na modernização urbana da nossa Capital, foi desencravado do pedestal, sem reação, sem lei, restando a reles coluna de pedra e cal que só continua onde está por não ser de bronze. O busto, uma homenagem do prefeito Oswaldo Pessoa a um dos presidentes de Epitácio e ao fim pelo oligarca renegado, teve o sentido da reparação da família Pessoa. O monumento a João Pessoa, na praça que se presume a mais guarnecida, foi desfalcado, há tempo, de uma das espadas; na mão de um dos guardiães restou o cabo e o gesto de desembainhá-la.
Entre os grandes da lista de Ipojuca, nenhum maior que outro. Cada um na sua a partir de Abelardo de Araújo Jurema, chamem-se Epitácio ou João Pessoa, Zé Lins do Rego ou Chateaubriand e, quem esperava (?) o centroavante Delgado do antigo Auto Esporte, insuperável na memória prazerosa dos que subiam ao delírio com a sua “classe” no domínio da bola. Quem fala nele, hoje? A mesma indagação teria feito Zé Lins do Rego, em “Dias idos e vividos”, ao lembrar de Fausto, a “maravilha negra” antes de Pelé.
José Rafael de Menezes, outro dos lembrados, me detém pensativo, o dedo entre as páginas a examinar-me. Onde estive, tão próximo que fui desse homem especial, que não somei devidamente a grande importância de cada uma das suas parcelas do bem comum, viessem da cátedra, da consciência social de militância literária ou do precursor brasileiro da pedagogia do cinema?
Sem dúvida impactou na sensibilidade assanhada do jovem Ipojuca, nascido para ir longe e atingido em cheio pela aula magistral de Rafael ao lançar “Caminhos do Cinema” no chalé de outro grande, Geraldo Carvalho, auditório semanal da juventude que viria fazer a literatura e o cinema a partir dos anos 1960.
“Foi uma tarde memorável – evoca o memorialista 65 anos depois - Dela deslanchou o impulso vital para a realização do seminal ‘Aruanda” (...) De minha parte – confessa- agradeço ao muito que aprendi com esse homem de imensa energia espiritual (...) O cinema era apenas uma vertente na prodigiosa atividade intelectual do grande paraibano”.
Há outros grandes nomes da consagração geral revistos sob a visão peculiar do autor, como Oscar de Castro, o presidente João Pessoa, Pedro Américo, Augusto dos Anjos, Virginius; como há os do seu mais efetivo e afinado convívio: Biu Ramos, Martinho Moreira, Geraldo Porto, Heitor Falcão. “De minha parte, confesso, que não passo um dia sem sentir saudade do Moringueira (Martinho), que me adotou como irmão e membro de sua exemplar família”.
Mas eu ainda dispensaria o livro todo, da 1ª à 2ª parte, mesmo com Biu, Martinho, Otinaldo, desde que me fosse dado ler, reler e meditar sobre as três páginas dedicadas a D. Laís Carvalho de Holanda, mãe protetora e fonte de motivação de dois meninos órfãos de pai: Vicente de Paula (o nosso Paulo Pontes), nascido aleijado, e Antônio, prematuro de 750 gramas nascido na Cândida Vargas, conhecido nacionalmente como Ipojuca Pontes. Ambos hoje presentes em qualquer lista justa de autores notáveis do jornalismo e do cinema brasileiros.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 29 de outubro de 2023.