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Pequenas viagens de fortes lembranças

publicado: 04/12/2023 14h14, última modificação: 04/12/2023 14h14

por Gonzaga Rodrigues*

Datam de três ou quatro anos minhas limitações de viagem. Não falo das que alvoroçavam o ânimo de algumas boas e antigas amizades como Arnaldo Tavares, Carlos Roberto de Oliveira, Luiz Augusto Crispim ou Franciraldo Loureiro, para quem todos os batentes, dentro ou fora do país, não passavam de domésticos.

Desses lugares grandes, o único em que sempre me senti flanando foi no Rio de Janeiro, embora tenha conhecido e passado a viver nele daqui mesmo, o espírito do Rio posto a meus pés e à folga do meu ser pela literatura da Rua do Ouvidor e pela música de Noel, de Lupicínio, da Velha Guarda, enfim, independente de intérpretes. Fossem Dick Farney ou a Divina. Pra isto eu nem precisava viajar, nem mesmo sair do rádio ou da difusora de Alagoa Nova. Ali mesmo, nos meus quinze anos, eu subia o morro ou morava na filosofia.

Desses lugares grandes, o único em que sempre me senti flanando foi no Rio de Janeiro    ---   Gonzaga Rodrigues

Mas se nunca ansiei pelo estrangeiro, incluindo nele São Paulo, nunca deixei de interromper um projeto pessoal que me pedisse mais tempo de cadeira, para sacrificar a chegadinha a meus curtos pagos ou a um roçado de ananás que o vizinho Jonas me levasse a ver aqui perto, em Serra Redonda. Só porque, encontrando-o manhãzinha no batente da sua casa das pedras, derrubada com árvore e tudo para mais uma farmácia, achei de lhe dizer que o melhor abacaxi da Paraíba não era de Sapé nem de Mari e, sim, o de Pedras de Fogo.

“É porque você nunca chupou o melhor do mundo, o de Serra Redonda, puro ananá, pequeno para a gulodice de uma só pessoa”.

Vejo daqui do meu bairro a vidraçaria da farmácia, rica, um esbanjo de luzes, mas Jonas, que já não está entre os vivos, continua na sombra da manhã sem deixar o batente que a nova construção julga ter destruído.

São viagens como essa, feita muito antes da peste do Covid, que me tornavam andejo e carente de idas e vindas aos lugares de sempre. De Campina, então!.

João Azevedo vai construir a ponte entre a península de Cabedelo e a Praia de Lucena. Depois disso não se pode mais pedir nada, pelo menos em matéria de ponte aberta aos mais ambiciosos projetos da nova construção civil nacional e internacional. Mas se nessa sequência de investimentos, todo dia um, sobrasse um vãozinho de ponte para Livramento, do lado de cá do rio, Sua Excelência teria à mesa da granja as mais saborosas mangas rosaris e espadas do mundo, mesmo a Índia.

Não conheço Pocinhos, por onde descia o queijo de Boa Vista que os tropeiros levavam para meu Brejo em troca de rapadura. Apesar do aconchegante abraço de estradas que une hoje toda a Paraíba, não tenho mais vigor ou fôlego para ver com meus olhos do que a Paraíba vive em sua agricultura e, como sonho antigo, em sua fruticultura. Houve um agrônomo, Benedito Barbosa de Souza, tão logo nomeado prefeito, batizou Alagoa Nova de Laranjeiras. Achava o laranjal a vocação da terra em conciliação com a cana. Tempos depois, chega José de Oliveira Costa com a Ancara retomar o sonho do dr. Benedito. Nas últimas viagens que andei fazendo não vi um pé de laranja. De um lado a outro da estrada é somente cana, mais do que antes, quase nenhuma para rapadura, só aguardente. Pode existir, mas as pernas e o fôlego não me ajudam. Ainda bem que não falta estrada para as laranjas que vêm de Sergipe, como não falta para o tomate de São Paulo.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 03 de dezembro de 2023.