Notícias

Opinião

Sobre museus e palácios

publicado: 10/04/2023 10h00, última modificação: 10/04/2023 10h00

por Gonzaga Rodrigues*

Ocorreu a Chico Pereira lembrar-se de mim e, com o romancista Tarcísio Pereira, fazer-nos entrar no Palácio da Redenção, espantando os morcegos, e revermos a sede mais ambicionada de todos os poderes locais, agora reaberta para se converter no futuro museu do Estado. Chico participou com Dyógenes Chaves do projeto de montagem do Museu da Cidade, versão em que veio transverter-se a ideia inicial de se fazer da casa onde morou o presidente João Pessoa ao museu paraibano de 1930, um acontecimento que mudou o Brasil a partir da Paraíba.

Mas como a guerra de 30 ainda conserva resíduos nativos inapagáveis, não houve descendente de liberais ou perrepistas com assento na cadeira do mais celebrado paraibano de todas as ruas e praças do imenso país que encarasse a ideia. No de Cássio fincaram uma placa na largura do prédio anunciando obra e custo, remexeram nas telhas e aí parou. A placa arriou, outros governos vieram, e só agora, com nosso João Azevêdo, abrem-se as portas do belo palacete da Praça da Independência na versão de Museu da Cidade.

Ainda bem. A Paraíba precisava já muito antes de 1930, embora a sede se adequasse melhor, creio eu, ao primitivo prédio do Tesouro, antiga Assembleia, até pouco tempo sede de comando da PM que o governo está restaurando fixado na ideia de torná-lo palácio dos despachos. Ganha com isto, sem nenhuma dúvida, o conjunto de praças mais protegidas de verde que rodeiam o velho edifício onde Castro Pinto tomou posse. Entre os bustos de Pedro Américo e Aristides Lobo, sob a mais densa cobertura de oitizeiros, a mais representativa das árvores urbanas de todo o Brasil-Nordeste.

"Palácio ou museu, o importante é que seja preservado"
Gonzaga Rodrigues

Quanto ao palácio, morada governamental por 200 anos, suportando firme miríades de atos, proclamações, posses solenes e também tristes decessos - custará exonerá-lo do proscênio em que foi perpetuado aos olhos, à fé ou às esperanças dos que ainda sobram na terra. Ou até mesmo dos que subiram ao céu ou desceram ao inferno, ocultos na vida mas presentes na memória histórica.

De reforma em reforma tornou-se palácio de linhas clássicas sem se esbanjar em suntuosidade. Num álbum da Paraíba que o governador Tarcisio Burity se advertiu de encomendar a Bloch Editores, o palácio com seus interiores, seu salão nobre dominado pelo painel do herói Peregrino de Carvalho, pela presença forte dos retratos de André Vidal, o herói paraibano da fundação da nacionalidade a medir forças com Roosevelt, o líder da paz conquistada pelos Aliados, só perde em encantamento para o conjunto barroco do convento e igreja de São Francisco.

Palácio ou museu, o importante é que seja preservado. A parte mais nobre, o andar de cima, já vem sendo museu desde que a sucessão de reformadores pouco alterou em sua composição ornamental. A grande sala de reuniões ou dos grandes banquetes não há de ser mexida numa só cadeira. A sala de jantar, lá atrás, com vista ampla para o poente, com seus móveis e aquela mirada para o painel de azulejos de toda uma parede do vão interno - dizem que em homenagem aos navegantes portugueses – tudo já se acha no lugar de sempre, seja no palácio de Camilo de Holanda,  de João Pessoa, de José Américo ou do meu conterrâneo Pedro Moreno Gondim, que,  lá de cima, cedo da manhã, mandou-me um caboclo novo do seu Brejo, subir a escada entapetada e se enfiar até a mesa do café com direito a sentar, escolher o queijo, o bolo e, assim amatutado, ser servido, delicadamente, pelas brancas mãos de uma das mulheres mais lindas da galeria de primeiras-damas.

E Zé Octávio, anos depois, ainda vem censurar por meu apego a governo. Nem a todos, Zé.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 9 de abril de 2023.