O sol mal nascera e a calçada do laboratório já compacta, sem uma frincha onde imprensar o carro. Isso em frente à Lagoa, onde parar é impossível. Saí rodeando e acostei à primeira sombra da calçada que dobra e segue em direção ao Cassino.
“Não será um mau negócio ir por dentro, pisando na grama, repassando, mesmo com passos de velho, anos e anos de andares e atenções quase sempre pressurosos, que não davam chance a reparar nas árvores, no verdadeiro sentido do parque”.
Agora sinto-me entregue inteiramente à sua contemplação, mesmo com o bloqueio acintoso dos carrosséis, rodas-gigantes e barracos justificados pela Festa. E o faço sem nenhum inconveniente. Sem a pressão da hora para alcançar o almoço do antigo pensionato. Sem qualquer cuidado com a grama ou a quebradeira de ramos e galhos que resultariam da grande concentração camponesa desembarcada na estação, saindo rua acima para converter um dos mais belos parques do mundo num grito de anfiteatro pela Reforma Agrária. Isso foi em 1962, a reforma vindo de cima para baixo ao encontro da revolução social.”
Saio por dentro, devagar, pisando na grama. Descubro que a Prefeitura está fazendo corpo mole em deixar que armem barracas em forma de toldos contrariando a visão desobstruída e ampla da intervenção anterior.
Mas o teto alto do oitizeiro, do pau d’arco, da gameleira, de um gigante com folhas largas rajadas de vermelho que não sei se castanhola ou muda do Amazonas me eximem do pensar pequeno.
Não é sem motivo que o Parque Solón de Lucena seja o cartão postal de João Pessoa assim escolhido pela surpresa manifesta dos seus visitantes.
Não é sem motivo que o Parque Solón de Lucena seja o cartão postal de João Pessoa assim escolhido pela surpresa manifesta dos seus visitantes
Gonzaga Rodrigues
Onde parei, agora, fui obrigado a fazer o mesmo por ordem de Moacyr Werneck de Castro, que nos visitava. Não precisa dizer ao leitor quem era esse jornalista das mesmas redações e ideias (ele mais aberto) do autor de Memórias do Cárcere, Graciliano Ramos.
Alceu Amoroso Lima, como tenho lembrado repetidamente, comparou nosso parque aos mais ilustres do mundo. Ao belo ele acrescentou o ilustre por ser distinto. Avista-se de uma vez, não por ser pequeno, mas por ser harmônico. Mesmo assim, tem suas fases de desprestígio, para não dizer desrespeito. Com a última reforma voltou ao desfrute popular, não só como parada de ônibus mas como espaço de lazer, de piqueniques domingueiros e de contemplação.
No bosque de pau-brasil, de onde não sinto a menor pressa em deixar, plantado há quarenta anos na reforma de Hermano Almeida, dou com a vista num pequeno suporte com placa de metal de bordas já bem estragadas, que me obrigou a voltar ao carro, pegar o lápis, e copiar o que lá encontrei: “A Prefeitura de João Pessoa, em nome do povo da cidade e em respeito à história, outorga esta homenagem ao ex-prefeito Hermano Augusto de Almeida. / A sua gestão ética, preocupada com o meio ambiente, o planejamento e a valorização do bem público, o destaca entre todos que conquistaram o direito de ser prefeito desta Capital. / Em 2 de janeiro de 2006 / Ricardo Coutinho”.
Parece exagero, mas um gesto, às vezes, vale mais que um viaduto.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 30 de julho de 2023.