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Um lugar no mundo

publicado: 10/02/2025 10h40, última modificação: 10/02/2025 10h40

por Gonzaga Rodrigues*

Não sei por que, só hoje, nessa manhã chuvosa de fevereiro de 2025, minha chegada à varanda desses últimos vinte e cinco anos dá-me a certeza satisfeita de um lugar no mundo. Escriturada há duas décadas, só agora, nesse instante que me faz correr ao teclado e já sem muita graça com as ofertas do mundo, certifica-me desse grande e profundo privilégio.

É ainda um privilégio universal e de todos os tempos e civilizações, perseguido desde quando o homem se viu em guerra pela própria caverna.

As nossas matrizes do orgulho metropolitano, em que se acumula a seara concentrada do ideal capitalista, chega a perder a visão de suas mansões e de seus castelos verticais ante o entorno de favelas e barracos que diferem da caverna, sobretudo pela grande concentração. Quando Camus avistou o Rio, setenta anos atrás, visto o Cristo, a floresta soberba que se seguiu a seus olhos já não era a descrita por José de Alencar em carta ao jovem crítico literário Machado de Assis. Diferente da visão poética de Augusto Schimidt, com quem iria se encontrar logo depois, já não era a montanha ou a floresta poética de nuvens azuis.

Vejo-me firme em meu lugar num terraço 1,5 m por 3,5  m, o suficiente para a preguiçosa, um tamborete destinado ao livro da vez e o caderno de notas, além de uma mesinha com tampo de pedra para três ou quatro pequenas plantas que eu mesmo águo.

 Não dá para o nascente, que fica a minha esquerda interceptado em mais da metade por um daqueles edifícios auspiciosamente recebidos pela crônica imobiliária que vem saudando jubilosamente a irrupção da nova João Pessoa, de repente saída da discrição da “vila”, do usufruto a muitos ainda saudoso, para o desfastio do turismo escapado da bala perdida, dos conflitos diários entre bandidos e policiais, agora com mais baixas para os agentes da segurança. Mas, daqui, vejo a mata que Maranhão, sem perda de tempo, batizou com o nome do velho Beja, um pecuarista e exportador de agave que, amando a política e sem jeito para conviver com ela, fez dela a carreira do filho.

E chego, nessa manhã de céu nublado, de vidraças fechadas, a mata em distantes ondas azuis como as que puderam alcançar as vistas cansadas do poeta Schimidtem em tom memorialista.

“O que tem de meu ou de mim nisso tudo?”

E a resposta não me vem do que li, do que aprendi vivendo, sempre em busca forçada de terra firma, pedra onde várias vezes, menino, eu via alojado debaixo dela o doido Olegário, que saía pelos altos do sítio a gritar e gritar coisas que ninguém entendia. Angariava o de comer e abrigava-se sob essa caverna de pedra em forma de sapo de cabeça monstruosa a cobrir o nosso caminho.

Por quantas moradas passei, por quantas pensões, por quantas situações, o mundo saindo do telégrafo para a internet (neta e filha a me telefonarem, hoje, do outro lado do oceano), até encontrar firmeza ou meu lugar no mundo nesta míngua de espaço de varanda aberta a meu espírito.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 09 de fevereiro de 2025.