Leio agora como novidade creditada por um número da Veja ao urbanista franco-colombiano Carlos Moreno, o que ouvi, há mais de vinte anos, do inesquecível Mário Glauco Di Lascio, arquiteto com casa modelo em Tambiá de janela aberta para o que lhe interessava do mundo.
De acordo com o urbanista Carlos Moreno, a cidade, para ser das pessoas e não só do automóvel, precisa estar a 15 minutos do seu entorno de interesses, motivada por vários centros (policêntrica na linguagem dele) estruturada ou reestruturada para seu fim humano-civilizatório primordial.
Exatamente as mesmas palavras que ouvi de meu dileto e saudoso mestre Mário Di Lascio, para quem a nossa cidade devia crescer sem aumentar a distância do centro além dos dez ou quinze minutos nesta era dominada no planejamento e em tudo pelo automóvel.
Não é fácil fracionar uma megalópole como São Paulo, aproximá-la em tantos núcleos de interesse quanto exijam os seus milhões de habitantes. Há meio século a maioria acorda às quatro da manhã para chegar ao trabalho no horário. Duas grandes viagens por dia, doze horas fora de casa, o olhar distante dos filhos expostos à bala perdida.
A cidade de Mário Di Lascio, recobrada de tão longe pelo franco-colombiano, estaria sendo aplicada em Paris, “um conjunto de ilhas de proximidade para as pessoas. Não passam mais carros diante das escolas. Elas se tornaram miniparques, ilhas de proteção ao silêncio, às exigências do aprendizado, da segurança, da educação do país”. Foram eliminados 60.000 lugares para estacionamento. Foi o que li.
Saímos esta semana, com um filho, movidos por dois interesses, um deles atendido numa das grandes “lojas de tudo“ na estrada de Cabedelo. A partir do Grupamento de Engenharia, a Epitácio começou a nos segurar após a hora da primeira descida de portas, a dos serviços públicos. Na estrada de Cabedelo junta-se o que vem do Sul com outros afluentes e não há mais olhos para a paisagem, tensamente enfiados em alguma brecha do tráfego e inteiramente alheios ao casario de caixões mais para depósito de comércio que de morada, uns mais altos, outros mais baixos, furtando a fímbria de mar-oceano e o cajual primitivo e os antigos coqueiros gigantes do desenho clássico das nossas praias.
Saímos à direita, rodeando por uma das avenidas que margeiam o oásis do antigo Aeroclube para vir respirar no Tambiá de clube e mansões fechadas, sobras sociais e aristocráticas recuperáveis, como se vê, alguns metros mais à frente, no exemplo do Tambiá Shopping a motivar o restauro de todo um núcleo de característica histórica da nossa cidade. Dobramos à esquerda, entramos na Santa Elias, onde chamei a atenção de Paulo Emmanuel, que dirigia: “Olha bem, as duas calçadas não cabem de gente empurrando-se dentro e fora das lojas a reavivar a velha cidade de Walfredo Guedes até os domínios da Lagoa. É o comércio do povo, dependente do transporte coletivo, o comércio de poucos reais, que numa distribuição menos concentrada, mais cristã, atenuaria ou mudaria a paisagem social das nossas cidades, a mais bela de todas, o Rio, convertendo a montanha que era o seu postal numa praça de guerra entre irmãos de natureza pacífica e guerras de torcidas”.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 16 de novembro de 2025.