Notícias

A fabulação midiática

publicado: 21/04/2016 09h06, última modificação: 21/04/2016 09h06
Publicado na edição de 16.03.2016


Joana Belarmino

Tudo já foi dito sobre os protestos do último domingo, que desta feita expressaram com mais clareza, o profundo fosso que vem se criando, entre a classe política e a sociedade brasileira. Emblemas dessa realidade, foram os xingamentos ofertados em alto e bom som, aos líderes do PSDB e DEM que foram à Paulista, e a hostil recepção à pré-candidata pelo PMDB daquele Estado, Martha Suplicy.

Resta-nos uma conclusão óbvia, se extratos da política visavam capitalizar a manifestação das ruas, todos foram perdedores. A pergunta que se impõe, agora, é saber, quem perdeu mais, quem perdeu menos.

Para os atores da política, acendeu-se a lanterna amarela. Se hoje pede-se o impeachment da presidente Dilma e a prisão para o ex-presidente Lula, essas parecem ser, para os manifestantes do domingo, a tarefa prioritária. Amanhã esta mesma população pode erguer-se contra os líderes políticos que no parlamento, também lutam pelas duas agendas.

Mas há um terceiro e estratégico ator desse processo que também perdeu no domingo e vem perdendo progressivamente a batalha simbólica empreendida em favor da destruição do Partido dos Trabalhadores e de uma esquerda simpatizante ao governo Dilma. Esse terceiro ator é a mídia comercial privada, que escudou-se no discurso jurídico e político para construir a narrativa fabular de que o Partido dos Trabalhadores constituiu-se como uma quadrilha criminosa para assaltar os cofres do país e assim conformar-se como um polo de poder na América Latina.

Essa fabulação, ora com tons mais fortes, ora com menos influxo, vem sendo reproduzida desde o início do primeiro governo Lula, atingindo, na atualidade, o auge da sua força.

O esforço que reuniu o discurso jurídico, a narrativa política de direita, e as estratégias midiáticas, no sentido da difusão do processo de desgaste do presidente Lula e do governo Dilma, rebateu no domingo, em uma massa que verdadeiramente não está comprando a fábula como ela vem e promete fazer valer a força da chamada “voz das ruas”.

A voz das ruas encheu de espanto e perplexidade, os políticos, os juristas, e à própria mídia, que permanentemente teve de retificar imagens, desligar microfones e omitir notícias que entretanto pipocavam estrondosamente nas redes sociais e na blogosfera.

A voz do domingo já elegeu seus líderes políticos: Abraçou-se a Jair Bolsonaro e fez louvação, em camisetas e cartazes, ao juiz Sérgio Moro.

Para os políticos que apostavam nas manifestações como o pavimento para o impeachment, resta um breve recuo, o pesar e medir da situação, a adoção de novas estratégias. A mídia, por sua vez, prosseguirá na sua fabulação suicida, à espera de que um imponderável aconteça, e assim ela possa investir todo o seu capital técnico manipulatório na derrocada final do governo petista.

Estará a mídia privada trabalhando na construção de um “caçador de corruptos”, tal como fez nos anos oitenta, ao colocar no topo da política brasileira, “o caçador de marajás”?

Se estas impressões se confirmarem, é possível que num futuro breve, a legenda do PSDB acolha Sérgio Moro e o coloque no centro da disputa em 2018. Já o eleitor, esse agente flutuante, imprevisível e escorregadio, não se pode prever para onde irá, quando chegar o tempo da colheita.