Joana Belarmino
O que temos vivido nos últimos meses me faz lembrar um filme assistido a alguns anos, “O feitiço do Tempo”, no qual um famoso repórter de televisão vai à uma pequena cidade, para realizar uma reportagem sobre o dia da marmota. O repórter quer encerrar logo a sua tarefa, mas, fica irremediavelmente preso aos eventos daquele dia, o qual repete-se inexplicavelmente, aprisionando-o naqueles acontecimentos.
É como nos temos sentido no Brasil, após o processo eleitoral que culminou com a vitória da presidente Dilma Rousseff para o seu segundo mandato em 2014. Fomos aprisionados por uma sequência de fatos nefastos, os quais impedem que se avance num plano de melhorias para o país, ao tempo em que agudiza-se o profundo fosso que se estabelece entre os intentos dos atores políticos descontentes com os resultados eleitorais, e os atores sociais que defendem a democracia, a legalidade e a Constituição Federal.
Dois anos passados, e de fato estamos presos nessa longa noite, onde ora parece que vai prevalecer a vontade popular que reelegeu a presidente Dilma, ora parece que será confirmado o pacto que juntou num mesmo propósito golpista, extratos do judiciário, do parlamento e de representantes da mídia comercial privada e do empresariado.
Essa longa noite prossegue, com sua tenaz fábrica de pesadelos, e onde animadamente se celebra o desfile de mesquinharias, traições, e sobretudo omissões e covardias de setores que têm a prerrogativa da defesa da Constituição e da democracia.
Não há acordo, não há lugar para negociação, nenhum gesto que possa atalhar a sanha meticulosa e violentamente articulada para a usurpação do mandato popular. Os cenários estruturam-se para um primeiro embate definitivo, o impeachment da presidente eleita.
Há uma ferida profunda dividindo o país, com impactos os mais imprevisíveis, e cujos ecos provavelmente estarão presentes por muito tempo, nessa longa noite que já dura milhares de horas.
O propósito do golpe é assustador, não somente por conta da firmeza das mãos que lhe dão curso, mas sobretudo pela vilania desses mesmos atores que servem-se do parlamento para discursos sobre ética e moralidade, contra a corrupção, enquanto processos contra eles próprios dormem nas gavetas da Justiça.
Os versos simples da torpe canção para essa longa noite dizem de um partido político, o da presidente; de como esse partido converteu-se na quadrilha que assalta o país, em nome de um projeto de poder. A mídia comercial privada leva aos lares do país as sílabas desses versos torpes, enquanto que a ação da Corte de Curitiba alimenta com pautas seletivas, o noticiário de ódio.
As tribunas se separam. Nas ruas, gritos de revolta e de luta testam as forças dos movimentos populares, a ver se quebram as terríveis engrenagens do golpe. Nos espaços onde se devia defender a democracia de fato, providenciam-se mais carimbos e selos para a terrível conspirata.