Joana Belarmino
Não poupa nada nem ninguém, a mídia contemporânea. Feito um polvo de múltiplos braços, vai agarrando suspiros, caretas, as 111 visitas ao sítio de Atibaia, os vendavais e suas desconcertantes destruições, a esterilização em massa dos mosquitos, e, no meio de tudo, as mais de trezentas cartas trocadas entre o Papa João Paulo II e a filósofa Anna-Teresa Tymieniecka.
Com a voracidade e a pressa que lhe são peculiares nos dias que correm, a mídia despreza a linearidade dessa correspondência, seus intervalos, o encadeamento dos diálogos, a suposição dos silêncios, os selos e carimbos oficiais, a beleza por si só, a emanar desse fato, um Sumo Pontífice, em colóquio com uma filósofa.
Não, à mídia interessa mesmo espremer esses trinta anos de amizade e correspondências, debulhar e regurgitar para o mundo os fatos essenciais:” O Papa João Paulo II manteve uma íntima e intensa correspondência com uma mulher casada, com quem se encontrou, fosse em presença de outros ou muitas vezes sozinho”.
Há que se deixar no ar o cheiro do escândalo, os presumidos sussurros, ao lado de uma pequena nota explicativa: “Não há indícios de que o Papa haja quebrado seus votos”.
Assombrada com esta essencialidade midiática, impressionada com o vago perfil construído para Anna-Teresa Tymieniecka, a mulher casada, a filósofa com quem o Papa se correspondia de forma intensa, quis saber mais sobre a distinta senhora. A Wikipédia nos oferta uma biografia sua, portanto, devo pedir perdão aos leitores, por transmitir aqui, fatos os quais não posso comprovar.
Filósofa, o interesse central de Anna-Teresa Tymieniecka era a fenomenologia, entretanto transitou pelas áreas da matemática e das ciências sociais. O perfil disponibilizado via Wikipédia, revela a trajetória de uma pesquisadora universitária, produtiva, tendo alcançado o ápice da carreira, com pós-doutoramento e várias obras publicadas.
Nem a Wikipédia, nem o rolo compressor midiático, nos falam sobre as qualidades essenciais da pesquisadora, melhor dizendo, da mulher que aos poucos foi encantando ao então Cardeal de Cracóvia, e cabe à nós, o exercício imaginativo de moldar a personalidade, provavelmente ao mesmo tempo forte e delicada de Anna-Teresa.
Ou será que temos mesmo o direito de expor ao mundo esses fatos? A bulha midiática sempre se beneficia de indiscrições, vazamentos, deslizes.
As cartas de Anna-Teresa Tymieniecka chegaram ao rolo compressor, graças a um funcionário menos zeloso, que sentiu naquele espólio, o faro de um furo jornalístico.
O que se pede agora, a um mundo que só se alimenta do fatídico, do trágico e do bizarro, o que se pede é que se olhe com respeito para a beleza desses trinta anos, marcados por um diálogo entre arte, ciência, religião e amor.