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Gafe ou conspiração?

publicado: 20/04/2016 17h29, última modificação: 21/04/2016 09h07
Publicado na edição de 13.04.2016


Joana Belarmino

Não consegui assistir até ao final, o áudio do vice-presidente Michel Temer, supostamente vazado de modo incidental, uma gafe, conforme a mídia comercial privada, uma conspiração, segundo os integrantes do governo.

A voz era segura de si, tranquila, a desembrulhar o enredo preparado, numa espécie de discurso de posse, dirigido ao “capital” e aos “que trabalham, pedindo a pacificação do país.

Estava lá, um homem vaidoso e cheio de si, fascinado pela ideia de subir à rampa, sentar-se na cadeira presidencial.

Naquela apresentação bizarra, não estava presente o estadista, o jurista, o vice-presidente da República. Naquele áudio, destilava-se, sob a frágil capa de verniz do homem probo, o veneno do conspirador, do traidor da República, que, investido do cargo, a partir do voto popular, abdicou integralmente do seu estatuto, saiu pela porta dos fundos, mas, sem abrir mão de todas as prerrogativas do cargo, para dar vazão à sua verdadeira face, sob o disfarce de se preservar, de se defender da artilharia do governo.

Fico me perguntando se fosse Dilma a ter vazado um áudio daquela natureza. Descontrolada, histérica, despreparada para governar, diria a mídia brasileira oligopolista. Recordemo-nos dos grampos do juiz Sérgio Moro, e do modo como os mesmos foram encaminhados à mídia, por entrega direta, e a maneira como foram utilizados para ampliar a fogueira do impeachment.

Os defensores do golpe têm afirmado que há que se ter coragem e ousadia, a fim de que se possa avançar num projeto de mudanças para o país. Retórica vã. Mestres na arte de achacar, os parlamentares, em grande maioria, transformaram a Câmara dos Deputados em um palanque, onde promovem o desfile macabro do seu amesquinhamento, falta de ousadia e coragem para de fato promoverem as mudanças indispensáveis ao crescimento do país, na preparação de um longo primeiro turno que quer alçar ao poder, a chapa Temer Eduardo Cunha.

O muro erguido nas imediações do Congresso Nacional, para além de traduzir-se numa medida de segurança, é um símbolo concreto da divisão na qual o país se acha mergulhado, por artes da política, que tem na narrativa das mídias comerciais privadas, o alimento para o ódio e a criminalização da presidente Dilma Rousseff, do seu governo e do seu partido.

A situação do país é das mais graves, sobretudo porque o povo brasileiro está órfão. Órfão de seriedade na política, de retidão de caráter, da parte da maioria daqueles que deveriam cuidar da defesa da democracia e da Constituição.

O capítulo mais terrível desse momento histórico, e que poderíamos chamar de a arte da política cínica, é escrito pelo PMDB, o maior partido da República, deteriorado, agindo sobretudo nas sombras, e, ancorado na sua “ponte para o futuro”, com a qual espera rearranjar a política brasileira em sintonia com o capital e com as ideias neoliberais.

A mídia comercial trabalha com a explicação do vazamento, mostrando aos telespectadores, um político preparado, hábil e cauteloso. A mensagem que nos chega, clara e cristalina, é a de um vice-presidente covarde, pouco preparado para assumir um país fraturado, entrincheirado e incapaz de comunicar-se, em todas as suas vertentes.