Joana Belarmino
Às vezes, no meio da manhã, minha mãe lavava os cabelos e depois ia secá-los ao sol. Ali por perto, eu ficava observando o ir e vir do pente grande naqueles cabelos, e, em pensamento, tocava naqueles fios lisos e claros, percorria com dedos da minha imaginação, a onda suave a escorrer cintura abaixo, e me espantava por aquela mulher miúda, mais para gordinha, ter cabelos tão compridos.
Era somente naqueles curtos momentos de sol e de pente que o cabelo dela respirava. Depois de haver secado, ela o prendia num coque alto, e recomeçava sua lida, a preparar a comida para sua família grande, uma família que nem cabia toda na mesa do almoço.
Da onde viria toda a força daquela mulher? Minha mãe era uma mulher estranha. Sorria poucas vezes, mas, quando o fazia, a sua risada inundava a casa inteira. Nunca desperdiçava nada. Era justa na partilha dos alimentos, assim como na distribuição das broncas. Na partilha do amor, minha mãe era exata. Os abraços, somente nos momentos de separação, quando queria que levássemos na nossa bagagem interior, o calor fugaz dos seus braços.
Os gestos da minha mãe, era preciso saber apreciá-los por dentro. Nos gestos da minha mãe, a ternura, o carinho, estavam escondidos como joias raras, que ficavam ali zunindo suavemente, brilhando sem estardalhaço. Como naquele dia em que deixei a minha casa e fui viver a liberdade atropelada e cheia de medo dos meus 25 anos.
Naquela manhã, o cabelo preso, lágrimas a aquecerem seus olhos, ela me disse: “Eu não tenho nada pra te dar”, e me entregou uma das suas conchas de alumínio, com que tantas vezes havia mexido o nosso feijão. A concha da minha mãe ainda está comigo. Reproduz em minha casa, a mesma função de quando auxiliava na faina da mão da minha mãe. Você me deu tanta coisa mãe. Foi escondendo seus presentes no mais íntimo de mim, e sempre que penso em você, descubro uma coisa nova que você me deu.
E eis que me preparo para ir à casa da minha filha mais velha, que agora vive em Roraima, com seus sonhos acabados de estrear, e uma vida toda por ser escrita. Pensei em também lhe levar uma concha, acariciando os símbolos que esse utensílio de cozinha pode ter. Uma concha, guardando em si a simplicidade da dádiva, do servir.
Mas hoje mãe, se me fosse dado tecer no tempo uma ruga, hoje se me fosse dada a chance de recriar um lugar, eu inventaria de novo uma manhã de quarta-feira, plena de sol, e ainda que você brigasse, eu mergulharia meu rosto de menina na onda dos seus cabelos claros.