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Sequestro da normalidade

publicado: 20/04/2016 17h18, última modificação: 21/04/2016 09h06
Publicado na edição de 23.03.2016


Joana Belarmino

Enquanto escrevo a coluna, assisto consternada às notícias sobre o último atentado terrorista ocorrido na Bélgica. Pessoas tocando suas vidas, e de repente, numa sequência de atos inusitados e violentos, tudo se interrompe. Dezenas de mortos, o ponto final decretado no meio de uma crise profunda que não ouso comentar aqui, dada a sua complexidade.

O intuito hoje, ainda é comentar a situação brasileira. Enquanto que a maior parte dos países ricos do mundo amargam uma crise sem precedentes, ampliada pelas ações terroristas que lamentavelmente ainda se concretizam, desafiando a segurança e a inteligência, nosso país precipita-se há cerca de dois anos, para uma crise que penso, vive nas últimas semanas, uma das suas fases mais agudas.

No centro da crise, está a operação Lava Jato, com sua promessa de combate à corrupção que infesta a prática política, o soldo da classe empresarial. Falo em promessa, mas percebo o desbotamento desse objetivo, por conta da sanha com que o juiz Sérgio Moro foca num único partido, a mão firme com que assina medidas flagrantemente avessas ao que prevê a prática judicial e dá publicidade aos seus atos insanos na maior cadeia de comunicação do país.

É flagrante o processo de partidarização da Lava Jato. Como se um Deus poderoso, investido do apoio da mídia comercial privada e de parte do judiciário, determinasse um bode expiatório, o Partido dos Trabalhadores, e o submetesse à uma execração pública sistemática, fortalecendo no parlamento, o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Há quem diga que sequestrou-se a ética, o estado democrático de direito. Eu penso que os dias que vivemos demonstram que temos perdido irremediavelmente nossa normalidade. É verdadeira a afirmação feita por Wagner Moura: Não se consegue mais conversar com aquelas pessoas que têm ódio do PT.

O mais grave dessa situação, é que as correntes do ódio derretem grupos de amigos nas redes sociais, e mesmo grupos familiares, que se enfrentam e se separam, diariamente, movidos pela impossibilidade de tolerarem a ideia do contraditório.

Sim, perdemos o direito à normalidade. Amigos frequentemente me relatam que já não conseguem dormir direito. A busca pelas redes sociais, a batalha que ali se trava, são demonstrações da vigília permanente a que está submetido o extrato da população que não aceita os rumos da política e a crônica anunciada de um fim terrível.

Execrar um partido, lutar pelo seu extermínio, é expressão de um movimento fascista, que aplaude o estado de exceção e ecoa a mentira mil vezes repetida, de que o Partido dos Trabalhadores é uma quadrilha de criminosos instalada no poder e responsável por todos os processos de corrupção recentes.

Vivemos pois, a instalação do estado policial no judiciário, e no parlamento, a prática da política cínica. Noventa por cento dos parlamentares que atuam na comissão do impeachment da presidente estão citados na Lava Jato, dirigidos por um presidente da Câmara completamente envolvido em processos de corrupção e de lavagem de dinheiro.

O país caminha para o precipício, enquanto midiotas alimentados por um jornalismo publicista da pauta única cantam o hino nacional. Perdemos a normalidade, e só nos resta lutar de cabeça erguida contra essa derrocada.