Martinho Moreira Franco
Revi Celly Campello domingo passado na tevê. A produção do programa Jovens Tardes, do Canal Viva, rodou um vetê em que a minha paixão da adolescência é entrevistada por Vanessa Camargo. Já apareciam os sinais da quimioterapia a que se submetera no tratamento contra o câncer (ela morreria em março de 2003), mas ainda exibia notável descontração ao recordar os seus tempos de glória como musa do rock brasileiro. Velhos tempos que antecederam os belos dias da Jovem Guarda. Eu tinha na época 15 anos de idade. Domingo, pertinho de completar os 70, a saudade comprovou que não tem idade. E não tive como deixar de reler o texto que escrevi quando o jornal O Estado de S. Paulo, em 2013, publicou matéria sobre a masteurização de seis LPs de Celly Campello:
Li a matéria de capa do caderno Palco com a mesma emoção que tive aos 15 anos de idade quando o carteiro o meu nome gritou com a carta na mão e pressenti o que a abertura do envelope confirmaria: a resposta de Celly Campello à correspondência que lhe enviara pedindo uma foto sua autografada. Eu era um garoto que amava Celly e Tony Campello, quando ainda não havia Beatles nem Rolling Stones. Também amava ouvir Sérgio Murilo prometer a uma marcianita que seria o primeiro varão a chegar até onde ela estava. Ou Demétrius olhando os pingos de uma chuva que não queria cessar para aliviar a sua dor. Vivia de ouvido colado à Tamandaré e à Rádio Clube de Pernambuco, curtindo as versões de Fred Jorge para sucessos de Neil Sedaka, Paul Anka e de outros autores estrangeiros inspiradores do rock nacional.
Amava toda aquela gente, mas o que eu sentia por Celly Campello era paixão. Platônica paixão como a que se nutria na época por atrizes de cinema. E tanto mais platônica porque Celly não aparecia na tela, como Elizabeth Taylor ou Kim Novak. O primeiro grande sucesso dela foi Estúpido Cupido com a cantora confessando ter dado seu coração a um belo rapaz que prometeu lhe amar e lhe fazer feliz, mas que lhe passou pra trás, seu beijo recusou e seu amor não quis. Eu só faltava chorar quando ouvia o rock. O estouro da música aconteceu em 1959, quando a artista tinha apenas 16 anos.
No ano seguinte, Celly Campello voltaria a arrebentar nas paradas de sucesso com o empolgante Banho de Lua. Mas o que me seduzia mesmo era o seu repertório de músicas românticas, incluindo as que gravou em inglês: Secret e Tammy, esta, celebrizada por Debbie Reynolds na trilha sonora do filme A Flor do Pântano. Também ouvia muito a divertida Não Tenho Namorado, sobressaindo o dueto com o irmão Tony. E, claro, Lacinhos Cor de Rosa, na qual Celly anunciava colocar no sapato um laço para andar devagarinho e conquistar o brotinho enxuto que era um amor, mas que não ligava pra ela, que horror! Como resistir a tanta ingênua malícia?
(...). Ela tinha voltado à cena em 1976, gravando uma participação especial na telenovela Estúpido Cupido e fazendo alguns shows pelo Brasil. Ainda guardava alguns traços da adolescente cuja foto ilustrou a reportagem do Estadão. A ilustração muito me lembraria a foto que recebi, no distante ano de 1960, com a amável dedicatória “Ao querido Luiz Martinho”. Incrivelmente, não guardei a relíquia. A não ser na memória que me banhou da saudade ao ver a capa do caderno de diversão & cultura. A imagem de Celly Campello continua viva na paixão que não quer calar no peito deste seu velho fã.