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Minha cidade, coitada!

publicado: 22/04/2016 15h00, última modificação: 22/04/2016 21h20
Publicado na edição de 21.04.2016


Martinho Moreira Franco

Antigamente, vista de cima, João Pessoa era “um só pomar, um só jardim”, como se dizia na exaltação ao verde dos quintais e dos canteiros das casas. Hoje, o voo de pássaro que Gonzaga Rodrigues imprimiu no álbum “Entre o rio e o mar” virou uma saudade parada no ar, congelada pela voragem do tempo. O que se observa da torre da TV Cabo Branco é a ramagem das copas cedendo espaço aos telhados de olaria e cimento.

João Pessoa, quem diria, virou cidade grande. Já tem engarrafamentos quilométricos de trânsito, tráfico e consumo de drogas, prostituição nas ruas, toque de recolher em alguns bairros, praias poluídas, poluição sonora e visual... e por aí vai. Já tem até floresta de espigões se expandindo pela cobertura vegetal, imaginem! E região metropolitana, vejam só

E o que dizer de hábitos e costumes do pessoense? Ainda há famílias que põem cadeiras na calçada para papear à noite, sim, mas essas rodas de conversa são cada vez mais escassas – e menos frequentadas. O perigo que ronda as esquinas pode se materializar a qualquer momento numa abordagem a pé ou motorizada. Aquele clima de total tranquilidade das velhas tertúlias já não existe mais.

Quando eu era adolescente em Jaguaribe, e saía à noite para flanar no largo da Rua Capitão José Pessoa, tinha a recomendação de voltar para casa até as 9h. Mas o zelo paterno não se devia a temor pela integridade física do filho, já que nem se falava em assalto naquela época. Era exercício de autoridade, nada mais que isso. Atualmente, compartilho com os filhos os temores pela sorte dos netos quando eles vão ao cinema do shopping... de dia!

Tornaram-se comuns expressões tipo: “Cuidado quando descer no estacionamento!”; “Não abaixe o vidro do carro!”; “Preste atenção quando parar no sinal!”. As recomendações se estendem a lanchonetes e bares que devem ser evitados. Há trechos da orla marítima por onde não devem transitar. Há ruas do próprio bairro (nobre, no jargão do mercado imobiliário) que exigem atenção redobrada. São inúmeros os endereços de risco nesse lado da cidade. Na verdade, em todos os lados da cidade.

Vivemos no pior dos mundos, então? Não. Pelo amor de Deus, não! Há capitais muito mais violentas no Brasil do que João Pessoa. Aqui no Nordeste, então.... Há também muitos outros lugares no país onde o passado cedeu espaços urbanos e traços humanos ao tempo, à marcha inexorável do tempo. Essa é uma viagem sem volta. O que se há de fazer? Só lamento que a minha pequena cidade de outrora tenha virado grande, coitada! Não havendo outro jeito, porém, que continue a crescer, de preferência, com moderação. O seu lugar no meu coração terá sempre o mesmo tamanho, posto que tamanho não é documento. Ainda mais quando cabe saudade nele.