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O brado retumbante de Ernani

publicado: 02/02/2016 03h00, última modificação: 01/02/2016 21h58
Publicado na edição de 02.02.2016

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Martinho Moreira Franco

Ernani Sátyro entrou para a história de A União por duas portas: a que fechou o cenário de um passado de glórias desta folha e a que abriu espaço para um futuro que ele, então governador da Paraíba, julgou estar construindo para preservar o renome do jornal oficial do Estado. Vejam só a contradição: o homem que ordenou a demolição do histórico prédio da Praça João Pessoa (não apenas um prédio, mas um monumento incorporado ao patrimônio arquitetônico e cultural da capital) foi o mesmo que determinou a construção de uma nova sede para o jornal (e para a gráfica) no Distrito Industrial da cidade, promovendo assim a modernização das suas instalações e a atualização dos seus equipamentos. Pode-se dizer hoje que, apesar dos pesares, terminou saindo bem na foto. Ou não?

Bem, ao menos com relação à capa de uma das edições de A União na época em que governou a Paraíba (1971 a 1975), não. Literalmente, não. O episódio é conhecido por alguns, mas vou rememorá-lo, pois não perde o sabor de anedota, embora rigorosamente verdadeiro. Antes da rememoração, porém, cabe ressaltar que Ernani Sátyro tinha por este jornal um respeito e uma admiração especiais, desde que se iniciou como intelectual e, mais adiante, quando ingressou na vida pública. Ainda mais ao exercer o Governo do Estado, depois de notável passagem pelo parlamento. Basta dizer que, como governador, assinava aqui coluna semanal sob o título “Sempre aos Domingos”, abordando assuntos administrativos (tipo prestação de contas de ações do seu governo), mas também temas da sua predileção como escritor e político militante.

Vale igualmente destacar que até meados do primeiro ano do governo de Ernani - com Noaldo Dantas permanecendo na Secretaria de Divulgação e Turismo, que ocupara durante o governo de João Agripino - A União viveu uma das suas fases mais auspiciosas do ponto de vista editorial, apesar de a editoria geral ter sido entregue pelo diretor Biu Ramos ao locutor que vos fala. Para que se tenha uma ideia da equipe convocada por Biu para atuar no jornal, sabem quem era o secretário de redação? Antonio Barreto Neto. Sabem quem era o chefe de reportagem? Marcone Cabral. Sabem quem figurava entre os redatores e repórteres? Anco Márcio, Carlos Aranha, Carmélio Reynaldo, Cátia de França, Diógenes Brayner, Jorge Medeiros, Marcos Tenório... só tinha fera. Tem mais: Sonia Iost assinava a coluna social e sabem quem foi o colunista mais badalado da imprensa local que Biu Ramos conseguiu atrair para aquela gloriosa equipe? Ipojuca Pontes, o Otávio Monjardim, que jogava em todas nas quatro linhas da sua irrequieta coluna de meia página no segundo caderno.

A União voava em céu de brigadeiro, quando Biu foi injustamente abatido em pleno voo, por alegações, de natureza técnica, que ele rechaçou acionando suas implacáveis baterias antiaéreas. Pouco mais tarde, já sob a direção de Luiz Augusto Crispim, o jornal escreveria uma das páginas mais vexatórias da sua história: a troca do nome do general Ernesto pelo do general Orlando Geisel como sucessor do general Emílio Garrastazu Médici, numa época em que a sucessão presidencial no Brasil era uma troca de guarda entre generais. A “barriga” teve repercussão nacional e detonou Noaldo e Crispim dos seus cargos; Otinaldo Lourenço, depois de breve interinidade de Evaldo Gonçalves, assumiu a Secretaria, enquanto Luís Ferreira veio dirigir o jornal e a gráfica.

E o episódio da capa? Tornou-se memorável graças à reação do seu personagem principal, ninguém menos que o próprio Ernani Sátyro, surpreendido pelo inusitado da foto em que aparece assinando um convênio no salão nobre do Palácio da Redenção. Inusitado porque, devido à inversão do fotolito (filme usado para gravar em chapa metálica o texto ou a imagem para impressão), o governador saiu assinando o documento com a mão esquerda. Imaginem o deus-nos-acuda! Logo cedo da manhã, Otinaldo foi convocado à Granja Santana para explicar o fenômeno ao protagonista que, aos berros, reclamava da sua insólita condição de canhoto.

Minutos depois, quando ele já se conformara com a explicação do secretário, adentra o gabinete a primeira-dama, dona Antonieta Sátyro, e assume de imediato o papel de coadjuvante da cena que se tornaria ainda mais hilária. Observando a foto e ainda ouvindo o esclarecimento sobre a inversão do fotolito, dirigiu-se candidamente ao marido: “Ernani, a aliança está na mão direita, você notou, meu filho?” O Amigo Velho pulou da cadeira: “Noivo, doutor Otinaldo! Eu saí como noivo! Isto é um absurdo!” Ainda hoje ecoa no Miramar o brado retumbante do governador.