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Tirando de letra

publicado: 20/04/2016 17h49, última modificação: 21/04/2016 09h42
Publicado na edição de 03.03.2016


Martinho Moreira Franco

Em homenagem à recuperação de Wilson Braga, que tirou de letra um infarto no miocárdio, reproduzo a seguir uma historinha que faz parte do folclore do velho Liceu Paraibano, tema recorrente nesta coluna. No episódio, Wilson tira de letra o professor que aplicava prova de Geografia no temido exame de admissão ao colégio. Um amigo comum (meu e do nosso herói) se diz testemunha ocular da historinha. Confiram:

Por volta da distante década de 1940, o exame de admissão ao Liceu Paraibano correspondia, em nível de dificuldade, ao exigente vestibular de anos posteriores, conforme já rememorou o meu amigo Carlos Pereira de Carvalho, ex-professor de Física do colégio estadual em década menos longínqua. Os candidatos suavam intensamente para obter aprovação. Suadouro ainda mais intenso quando se prestava a prova oral. Eu passei por isso em 1957.

Também por isso, na prova escrita, deve ter passado, em ano que não sei precisar, o candidato Wilson Leite Braga, vindo de Conceição do Piancó para tentar uma vaga no curso ginasial do Liceu. Sem endereço de familiar, parente ou amigo em João Pessoa, e carente de recursos para hospedar-se em hotel ou pensionato, ele aboletou-se na Casa do Estudante, reduto dos egressos do interior. Mais tarde viria a presidir a casa da Rua da Areia, mas essa é outra história.

Wilson já usava óculos de lentes tipo fundo de garrafa, dado à miopia em alto grau que lhe valeu o apelido de “Cego”, pelo qual era tratado entre os companheiros e com o qual se celebrizaria na vida política. Não sei se vocês já perceberam, mas quem usa esse tipo de lente costuma levantar a armação dos óculos e aproximar o rosto para ler algum escrito, enxergando melhor um palmo à frente do nariz. Quando governador do Estado, o próprio Wilson protagonizaria uma cena hilária, ao ler mensagem chegada ao aparelho de fax recém-instalado em seu gabinete de trabalho. Como o papel saía do aparelho cheirando a queimado, ele tomou uma espécie de choque de olfato e jogou a mensagem fora.

Retornemos ao exame de admissão no Liceu. A prova era de Geografia, matéria que o estudante Wilson Leite Braga não chegava propriamente a dominar. Assim como não era lá muito bamba em Português. Nem se passavam dez ou quinze minutos do início do teste, eis que o professor, exercendo inspetoria na sala de aula, notou que o candidato das lentes de fundo de garrafa levantara a armação dos óculos e abaixara o rosto na direção das pernas, em típica posição de cola (naqueles tempos, dizia-se “fila”). Atento ao suspeito movimento, o inspetor gritou lá da frente, apontando para o “Cego”:

- Ei, o senhor aí! Que está olhando?

Embora com a vista voltada para baixo, Wilson percebeu que havia sido flagrado, mas se recompôs num átimo e, já encarando, mesmo de longe, o inspetor, respondeu com voz firme:

- Não é nada, não, professor. Eu só estava conferindo se Canadá tem acento.