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Anatomia de um assassinato de novela

publicado: 08/10/2025 08h47, última modificação: 08/10/2025 08h47
Vale Tudo - Assassinato de Odete - 03.jpg

Odete Roitman (Débora Bloch) escorrega na parede após levar o tiro fatal | Foto: Reprodução/TV Globo

por Renato Félix*

E então Odete Roitman finalmente morreu. Ding, dong, the witch is dead.

Nesta Vale Tudo 2025, é a morte mais anunciada da teledramaturgia brasileira. Desde que o remake foi anunciado que se sabia que, em algum momento, a bilionária mau caráter iria bater as botas. E, com isso, viria a pergunta mais clássica das novelas brasileiras: quem matou Odete Roitman?

Mas, claro, como está acontecendo desde a metade da trama, a autora Manuela Dias tem feito as coisas do jeito dela, com mudanças cada vez maiores em relação ao original de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères.

A cena do crime é mais uma delas. Na versão original de 1988, a cena da vilã foi uma grande surpresa. Após mais uma cena de Heleninha se afogando no uísque, o público via, de repente, o cano de uma arma em close dar três tiros.

Na sequência, dois fatos apareciam em montagem alternada. Um deles é Celina atendendo um telefonema na mansão; o outro é um porteiro entrando em um apartamento acompanhado de dois homens engravatados e dizendo que a vizinha ouviu tiros e o alertou, fazendo com que ele chamasse a polícia.

O espectador não demoraria a saber que essas duas cenas (Celina ao telefone e o porteiro no apartamento) aconteciam em tempos diferentes.

Na mansão, Celina: “Sim, é daqui. Pois não?”.

No apartamento, o porteiro: “Aí, arrombei a porta. Tava só no trinco. Ela tava bem aí, caída...”.

Numa câmera subjetiva, uma porta se abre e, ao mesmo tempo em que o espectador vê a mancha de sangue na parede, ouve o grito ensurdecedor.

É Celina, na mansão, recebendo a notícia: “Estão dizendo que a Odete... Ela morreu”.

Corta para o apartamento, o sangue na parede, a câmera desce e mostra Odete Roitman morta no chão.

Que diferença, não?

O fator surpresa seria muito difícil de obter já que, agora, o assassinato era esperado desde antes de a novela começar. Manuela Dias, então, foi para o lado inverso. De repente vários personagens da novela começaram a falar em matar a bilionária e o fatídico capítulo virou quase um “quem chega primeiro” para resolver o assunto.

E se, na Vale Tudo de 1988, a novela praticamente inteira era suspeita, a autora cantou até em entrevista ao Fantástico que aqui são (ou seriam) especificamente cinco.

As cenas mostraram Heleninha atormentada do lado de fora do Copacabana Palace, onde Odete estava hospedada. Fátima e Celina, cada uma a seu tempo, rumando para lá, com armas nas suas bolsas. Marco Aurélio e Leila também hospedados no hotel com tudo já planejado para o crime. E César também chegando armado.

Dentro do hotel, uma coreografia de pretensos assassinos indo, um de cada vez, à porta do quarto da vilã. Três deles — pela ordem, Fátima, Marco Aurélio e Celina — o espectador viu chegar à porta, mas a cena corta sem que a vejamos se abrir. Heleninha não é mostrada dentro do prédio. E César chega por último e é o único visto entrando no quarto (porque tem a chave).

Daí, a narrativa pula para os momentos posteriores dos cinco suspeitos: Marco Aurélio voltando para o seu quarto; Maria de Fátima voltando para o restaurante do hotel e pedindo a conta; Celina indo embora com cara de atormentada; Heleninha encontrada em casa fora do ar; César chegando com Olavinho na casa do amigo. A última cena do capítulo retrocede no tempo e mostra Odete na mira da pistola e levando o tiro, reforçando que ela foi morta mesmo, não forjou seu assassinato.

Escrevi “seriam” suspeitos porque nada impede que Manuela Dias tenha jogado uma isca falsa para o espectador e o assassino seja outro. Pode ser até — quem sabe? — que todos tenham se encontrado o quarto de Odete e tenham sido cúmplices no assassinato. Vai saber.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 08 de Outubro de 2025.