O ano de 1975 é um daqueles em que o cinema parecia estar em estado de graça. Nele, as praias ensolaradas se tornaram de um local de relaxamento a motivo de tensão e horror por causa de Tubarão, de Steven Spielberg. Um assalto a banco midiático se desdobrava em um surpreendente drama humano em Um Dia de Cão, de Sidney Lumet. E um sujeito tenta fugir da prisão se fingindo de louco, mas descobre que pode encontrar numa instituição mental uma carcereira ainda pior em Um Estranho no Ninho. Todos estes filmes estão completando 50 anos em 2025, assim como uma das melhores comédias da história do cinema: Monty Python em Busca do Cálice Sagrado, de Terry Gilliam e Terry Jones.
Era o primeiro filme concebido diretamente para o cinema pelo sexteto cômico britânico, composto pelos ingleses Graham Chapman, John Clesse, Michael Palin e Eric Idle, pelo galês Terry Jones e pelo estadunidense Terry Gilliam. Eles eram egressos da antológica série Monty Python’s Flying Circus (1969-1974), na qual desenvolveram seu humor de puro nonsense em quadros que se tornaram clássicos. Tanto que refilmaram os melhores, com produção mais incrementada, para seu primeiro filme: E Agora para Algo Completamente Diferente (1971).
É um filme bem engraçado, mas O Cálice Sagrado é outra história. O sexteto aqui conta, a rigor, uma história só: o Rei Arthur e seus cavaleiros da távola redonda na missão divina para encontrar o Santo Graal, o cálice que teria sido usado por Jesus na última ceia.
Mas o espírito da série segue presente. O filme é episódico e os comediantes se revezam em diversos personagens (Michael Palin chega a fazer 12!). Já começa com Arthur e seus homens garbosamente cavalgando cavalos imaginários e tendo seu direito ao trono questionado por camponeses simples, mas que não aceitam um rei só porque ele diz que é um.
A partir daí é uma loucura e uma gargalhada atrás da outra. Separados em sua missão, os cavaleiros encontram um gigante de três cabeças, que são os “cavaleiros que dizem ‘ni’”; duelam com o terrível cavaleiro negro, que não desiste mesmo quando tem as mãos e os pés decepados; um castelo de donzelas muito atiradas; enfrentam um monstro assassino com a aparência de um coelhinho; chegam a Camelot e interpretam um número musical maluco; tentam descobrir cientificamente se uma mulher é uma bruxa comparando o peso dela ao de um pato; e por aí vai.
O filme ainda intercalava as cenas de ação real com vinhetas animadas surrealistas e iconoclastas a cargo de Terry Gilliam. Numa dessas, os cavaleiros escapam da “Fera negra de Aaaaaaargh!”, um monstro animado porque o desenhista tem um ataque cardíaco...
O filme foi financiado graças ao apoio de fãs como as bandas Led Zeppelin, Pink Floyd e Genesis, cujos integrantes adoravam a série. Isso também aconteceu no seguinte, A Vida de Brian (1979), projeto para o qual George Harrison abriu a Handmade Films só porque queria assistir ao filme. “O ingresso de cinema mais caro que já vi”, disse Terry Jones.
E O Cálice Sagrado é educativo. Depois de assisti-lo, ninguém vai atravessar uma ponte de corda amaldiçoada sobre um abismo sem fim sem saber sua cor preferida ou a capital da Síria.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 19 de novembro de 2025.
