Coringa – Delírio a Dois é o pior filme do ano? Ou quem não gostou é porque não entendeu o filme? Certamente, o filme de Todd Phillips é um dos mais controversos do ano, levando pessoas a se engalfinharem nas redes sociais e soltarem opiniões “definitivas”.
Que o filme é um retumbante fracasso de público, isso é claro. O segundo Coringa, com a expectativa que herdou do primeiro, sucesso de crítica e de bilheteria, estreou em 14 salas de João Pessoa (distribuídas por quatro multiplexes, vale salientar). Na terceira semana, esse número havia caído vertiginosamente para quatro. Esta semana, nem está mais em cartaz nas salas do MAG Shopping, que preferiu colocar uma sessão para A Substância, que já estava em exibição há mais de um mês em outras salas da cidade.
Acontece que as razões para o insucesso do filme podem ser exatamente algumas de suas qualidades. Numa indústria viciada no mais do mesmo, em fazer seguidamente o mesmo filme com outro nome e em só apostar na “propriedade intelectual” (personagens já conhecidos do público), o segundo Coringa arrisca ser muito diferente do primeiro.
Em vez do drama psicológico ambientado numa Gotham City oitentista e scorseseana, o público desavisado certamente se surpreendeu ao encontrar um musical. Um gênero que não é bem a praia do espectador médio, que consome filmes adaptados de quadrinhos de super-heróis.
Ainda mais porque as canções do filme não são atuais e nem mesmo do pop rock: elas vêm da tradição americana do gênero, de compositores como George Gershwin, Harold Arlen, Richards Rodgers. O mais pop ali é um Burt Bacharach ou um Billy Joel, que já estão fora do radar dessa turma, que é de um mundo que vive em crise de atenção e de desinteresse por um passado até recente.
O quanto Coringa – Delírio a Dois tem consciência de que vai desagradar uma parcela grande do público? Os analistas falaram muito sobre como o segundo filme tenta desconstruir o primeiro porque os brucutus da sociedade que tomaram o Coringa como herói.
Converter o primeiro filme, sujo e violento, em um segundo filme que abre espaço para sequências sofisticadas de canto e dança (provocadas narrativamente pelo romance com Lee Quinzel, a versão da Arlequina vivida por Lady Gaga) é realmente querer jogar com a expectativa da plateia. O filme poderia até entrar mais no gênero musical, às vezes, parece meio envergonhado ao passear pelo gênero. O fato de ser um musical não é definitivamente o problema do filme.
O que parece mais desacertado é que o debate se Arthur Fleck tem no Coringa uma dupla personalidade ou se estava consciente o tempo todo das mortes que causou no primeiro filme não tem o vigor do mergulho do personagem na loucura do primeiro filme. O tema e o formato musical parecem mesmo estar lá para implodir o primeiro filme, mas também parecem ser uma sequência lógica. Contraditório, porém, isso também faz certo sentido.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 23 de outubro de 2024.