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Algo perdido chamado realidade

publicado: 26/12/2025 10h11, última modificação: 26/12/2025 10h15

por Sandra Raquew Azevêdo*

Eu já fui roubada certa vez esperando um transporte em Campina Grande para ir à minha cidade natal para votar num ano eleitoral. Um homem alto me pediu dinheiro, e como não tinha para dar, ele bruscamente retirou meu relógio (de estudante) do braço e correu ladeira abaixo. Tive um susto pela atitude repentina, mas a vida seguiu.

Certa vez, eu também fui furtada por alguém conhecido, que levou embora folhas de talão de cheques que estava em minha bolsa. Além da decepção, fiquei um tempo paranoica e vez por outra averiguava a bolsa para conferir se tinham me furtado. É uma sensação triste.

Todas as vezes que, numa compra, não me dão a nota fiscal, eu me sinto enganada.

Tenho visto com muita tristeza esse horror econômico e psicológico que coloca o povo venezuelano como alvo. As guerras do século 21, infelizmente, estão visíveis há certo tempo. Têm início sempre com a palavra, com o simbolismo. Com a narrativa.

Passo a passo as palavras avançam e o aparato comunicacional vai sendo parte do front antes de qualquer bala, míssil, drone.

Neste Natal tenho sentimentos misturados: quietude, tensão, amor, medo, ternura, gratidão, esperança, indignação...

As cenas de guerra são quase sempre clichês. A crise já está instalada, antes mesmo do genocídio em Gaza, que agora, depois do “cessar fogo” é desinteressante para grande parte das empresas de comunicação.

Enquanto isto no mar do Caribe, no país vizinho, a Venezuela, não sabemos como estão as pessoas diante do terror psicológico. Você já imaginou, estando em sua casa, alguém começar a cercar, te acusar de fora da lei. E a partir daí sistematicamente adentrar no seu quintal, depois entrar no seu lar e tomar posse do seu território e determinar o que vai ser de sua vida?

Antes do uso de armas, pode se dominar pelas palavras, pela cultura, pela diferenciação cambial, pelas relações comerciais, pela instrumentalização da fé. Ao ouvir, ler e ver noticiários prestem atenção nos adjetivos das mensagens e no posicionamento das fontes nas ações concretas. É sempre um bom exercício.

Agora se você vê, lê, e escuta o mundo atualmente só a partir de algum aplicativo, é bom desconectar um pouco. Respire, olhe mais para quem está perto, ao lado. Ande mais nas ruas de sua cidade, especialmente a pé ou em transporte público. Atitudes que nos ajudam a perceber melhor algo perdido chamado realidade, mundo concreto.

Talvez para compreender o tempo presente seja mais urgente e preciso se situar nele e deixar a “ilha da fantasia”, os “mundos paralelos” que nos aprisionam, criados muitas vezes pelos algoritmos e agora de modo mais sofisticado pela Inteligência Artificial.

Os aparatos de guerra me parecem ser óbvios, mas não são nada fáceis de lidar. A construção do silenciamento é um caminho para eficiência em caso de conflitos. Unilateralidade dos fatos, hegemonia de uma fonte de informação em detrimento de outras...

Imagina que por aqui, setores conservadores da igreja e da política andam tentando calar o Padre Júlio Lancellotti, em plena Democracia. “Quando porventura o Filho do homem vier achará fé na terra? (Lucas 18:8). Talvez o padre Júlio e tantas outras pessoas anônimas pelas ruas do Brasil e fora dele estejam cultivando vida em espaços onde só pareçam existir morte.

No lugar das guerras a gente precisa mesmo é de gente que promova e construa Paz.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 26 de dezembro de 2025.