Civis palestinos e israelenses não suportam mais a violência instalada. Diferente das autoridades que gozam do privilégio da segurança. Civis estão vulneráveis, expostos, e são os que efetivamente perdem suas vidas. Morrem nos bombardeios, morrem de fome, morrem de pavor.
Enquanto as lideranças que coordenam o horror seguem suas vidas de terno e gravata, civis tateiam entre escombros. Crianças se tornam escudos humanos e esqueletos de olhos arregalados. Eu não tenho muita capacidade para descrever horrores do liberalismo. Mas há muitos jornalistas inclusive que perdem suas vidas ao acompanhar e visibilizar o horror em curso.
Joe Sacco é um dos professionais que acompanho. Porque precisamos de um jornalismo que nos faça compreender melhor aspectos relevantes da realidade. As redes sociais nunca vão dar conta. Ao contrário, são parte de um forte aparato de propagada de guerra e de desestabilização de democracias em diferentes partes do planeta.
Recentemente Joe Sacco - autor de livros reportagens em quadrinhos como Palestina (Conrad, 2011, que traz um prefácio por Edward Said) e Reportagens (Quadrinhos na CIA., 2016) - publicou Guerra em Gaza (Quadrinhos na CIA., 2025).
O livro pode ser encarado como grito diante da dor das imagens de destruição. O jornalista, um dos maiores artistas gráficos em atividade, há tempos é conhecedor dos desafios do povo palestino, e uma das maiores referências na questão.
Quando em 2023 a guerra explodiu, Sacco mais uma vez produziu uma sequência de narrativas em quadrinhos que contribui entre outras coisas para enfrentar as redes de desinformação em torno da questão entre palestinos e israelenses.
Em “Guerra em Gaza” Joe Sacco mantendo a sátira e seu traço peculiar expressa sua inconformidade com as autoridades estadunidenses em apoiar os ataques. No livro, como em outras reportagens em quadrinhos, ele é um sujeito também situado, e assim expressa seu estado emocional de paralisia diante dos fatos de 7 de outubro de 2023.
Sacco é um dos grandes repórteres de nosso tempo. Capaz de contextualizar os fatos com bastante objetividade jornalística, e com condições de apresentar argumentos honestos sobre temas complexos como conflitos em territórios.
O jornalista mostra como o aparato de guerra se relaciona com os interesses eleitorais de seu próprio país. O conteúdo apresentado revela algo forte sobre as democracias no mundo contemporâneo, nutridas na atualidade pelo fundamentalismo religioso.
Sarcástico, Joe Sacco revela traços da própria subjetividade ao, com a cabeça no travesseiro, questionar sobre o destino de suas contribuições tributárias. Revelando imagens de sua gente vivendo nas ruas, morando em barracas, sem casa, sem teto. Para ele, “as ruas dos Estados Unidos prenunciam o colapso de toda a sociedade”. Em sua obra compreendemos o micro e macrossocial, faces de uma mesma moeda, pontes de um mesmo laço.
“É justo perguntar se o Iluminismo foi enterrado nos destroços de Gaza ou se os destroços são a consequência lógica do iluminismo?”, pergunta Sacco.
“Guerra em Gaza” não é apenas um documento de um período de horror em nossa história. É um livro que nos faz refletir as implicações políticas, econômicas, religiosas e culturais de um genocídio, numa realidade na qual “a certidão de nascimento e a de óbito viraram um documento só”.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de setembro de 2025.