Queridos leitores e leitoras, me desculpem pelo que vou dizer agora. Mas me dei conta disto no final de semana, ou melhor, assumi para mim mesma este final de semana que não gosto do Dia das Mães. Nada contra a maternidade, e especialmente contra as mães do mundo. Só que não dá para engolir esse modelo de homenagear as mães.
Sei que há diferentes maneiras no mundo de celebrar a data. E que no íntimo, cada pessoa tenta colocar no foco a sua figura materna particular, com os agradecimentos célebres. Mas para mim o Dia das Mães só perde para a tal da Black Friday e o Dia dos Pais. Nos últimos anos eu tentei achar simpático, porque via as fotos das mães das amigas amadas, e adoro mesmo ver álbuns de família.
Só que no íntimo eu acho a data uma coisa meio enganosa, com um apelo consumista voraz. No cotidiano, a vida das mães é muito, muito difícil. Estou usando a palavra difícil, para não chamar um palavrão. Porque acho a vida das mães, neste desenho patriarcal/ neoliberal uma droga mesmo.
Não estou colocando aqui a maternidade como escolha, experiência íntima, criadora. Estou pontuando essa condição da maternidade cheia de imensos abismos, e muitas contradições. E de um universo de explorações e culpas. Falo do trabalho reprodutivo como força motriz deste sistema desigual. Em especial no que diz respeito claramente à divisão sexual do trabalho. E o lugar das mães num horizonte de dicotomia esfera público/privado.
Por isto eu acho meio que uma palhaçada que se tire um dia do ano (o Oscar das mães) para lembrar o trabalho quase sempre invisível durante o resto do ano que as mães têm para gerar a riqueza e acúmulo, com o trabalho geralmente não remunerado do cuidado.
Sem falar na lógica mercantilista que envolve do Dia das Mães. Claro, que hoje se contestam os “presentes” que antigamente as mães recebiam: pano de prato, panela, jogo de copos etc. Hoje os presentes são para algumas sofisticados, e há um politicamente correto na hora de presentear.
Dia das Mães parece o baile da Cinderela, quando passa da meia noite, as mães voltam para o lugar do confinamento da casa, das “obrigações” da “rainha do lar”. Sobretudo as mães operárias, trabalhadoras. Sem creche, pessimamente remuneradas, às vezes com algum auxílio de transferência de renda, com jornadas de trabalho intermináveis, e profundo adoecimento físico (diabetes, hipertensão, neuropatias, entre outros) e doença mental (como não se sentir deprimida?).
Está mais do que claro que a esfera pública foi consolidada para os homens viverem. Quando as mulheres insistem e lutam para estar no espaço público, especialmente como profissionais, enfrentam muitos desafios, seja qual for a carreira. E neste país, um dos maiores deles é viver de forma segura dentro da própria casa.
A instituições sociais romantizam o papel da mãe, mas infelizmente não investem numa educação igualitária e justa para meninos e meninas, para que se enfrente na base social os mais de 250 mil casos de agressões que as mulheres brasileiras sofrem dentro de casa. Em 2024, o Brasil registrou 1.450 feminicídios. Mudança social acontece com outro horizonte de educação, desde o início da socialização de crianças.
Gostaria de romantizar, mas não consigo engolir mesmo a construção histórica deste modelo de Dia das Mães que se estabelece como uma faixada que suaviza as condições cotidianas tão difíceis para as chefes de família. No Brasil, segundo os dados do IBGE, 36 milhões de mulheres são responsáveis integralmente pelo sustento de suas famílias.
Desejo muito, na esperança por justiça social e equidade, que o horizonte da maternidade transcenda o lugar marcado da mercantilização, padronização da experiência materna, de violências. Inclusive, a violência patrimonial tão recorrente no universo maternal, que faz com que me depare com mulheres idosas mantendo padrões elevados de consumo de filhos, noras e netos...
E que nenhuma mulher se sinta diminuída, desprezada e/ou explorada nos outros 364 dias do ano por ser ou não ser mãe.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 16 de maio de 2025.