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Narradoras do Tempo

publicado: 15/08/2025 08h15, última modificação: 15/08/2025 08h15

por Sandra Raquew Azevêdo*

Neste sábado, 16h, na Livraria A União, que fica no Espaço Cultural José Lins do Rêgo, vamos fazer o lançamento de um projeto que coordeno, chamado Clube de Leitura Narradoras do Tempo, contemplado no edital UFPB em Seu Município e Responsabilidade Social.

A ideia do Clube de Leitura é bem antiga. Nasceu dos meus pensamentos ligeiros sobre a trajetória de leitura e escrita nas cidades do interior. Sou do interior, do Sertão da Paraíba. O Sertão compreende múltiplas espacialidades e cidades. E o bioma da Caatinga a nos aconchegar.

O Clube de Leitura é uma experiência itinerante, que tem por objetivo circular entre cidades do interior divulgando autoras que transitam entre o jornalismo, a literatura e os quadrinhos. Sou filha de pais que tiveram pouco acesso à leitura. Porque foram forjados numa sociedade de coronéis que viam a educação como privilégio de sua classe e não como um direito universal. Mesmo assim, foram pai e mãe que liam, criticamente, à realidade do mundo, liam e muito a linguagem ancestral e dialogavam bem com o tempo, os céus e a natureza, a realidade e as relações de poder. Comecei a ler primeiro essas linguagens.

Já alfabetizada numa pequena escola, pela educadora Luzia Nóbrega, dona Luzia, comecei a ter contato com outras leituras. Mas ao longo do tempo, já na vida adulta, fui percebendo a importância da circulação de obras jornalísticas, literárias e em quadrinhos, feitas por mulheres, reconhecendo a relevância da trajetória feminina num mundo muito marcado pelas narrativas misóginas na representação das mulheres e de suas questões. Produzindo, inclusive, imagens de dominação.

Há muitas motivações para criação de clubes de leitura. Democratizar o acesso às obras também é uma delas. Hoje, são muitas feiras literárias, mas grande parte não inclui as periferias, nem os territórios quilombolas, indígenas, de povos ciganos. Muitas feiras literárias ainda não estão nos interiores de um país imenso como o nosso. E acontecem quase sempre nas capitais ou destinos turísticos, absolutamente, inacessíveis ao povo trabalhador, aos jovens e pessoas idosas com poucos recursos financeiros para se deslocar ou sequer ter acesso à produção jornalística e literária em circulação.

Saindo da minha cidade, muito tempo depois, fui conhecer as autoras de meu lugar de origem. E achei isso uma oportunidade, mas um reflexo de um povo meio que míope em relação ao movimento de autoria no espaço local. É preciso conhecer outras realidades mundo à fora, mas é necessário saber quem somos, como vivemos, o que desejamos, as nossas lutas e vitórias, nossa própria história. Lembrar incluso dos absurdos para que não mais se repitam.

Narradoras do Tempo nasce também do desejo, como educadora, de que meus alunos e alunas de jornalismo e estudantes de Ensino Médio, possam se divertir lendo. A leitura não é só uma rotina obrigatória no cotidiano de quem estuda. Leitura é um passaporte para vários mundos, inclusive para nossa alma, interioridade. Diferente do espelho narcisista de uma tela de celular, o jornalismo, a literatura e as narrativas em quadrinhos nos apresentam outros e outras que precisamos conhecer. E que nos ajudam no autoconhecimento.

As práticas de leitura já salvaram e salvam muita gente, em diferentes culturas. São uma possibilidade de cura também para dores silenciosas que nem sempre conseguimos compartilhar.

Aprender a ler é seguir lendo junto. Os clubes de leitura trazem essa beleza, de poder compartilhar as emoções, as histórias, os saberes e os olhares sobre diferentes realidades e partilhar a vida com outras pessoas. Da infância à idade maior o acesso ao livro, certamente, é um farol a guiar nossos dias.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 15 de agosto de 2025.