Acredito que já tinha dito aqui que não sou muito carnavalesca. Diferente de mainha, que amava o samba, o chorinho, que se emocionava muito com Cartola, Beth Carvalho, Clara Nunes, Pixinguinha, Paulinho da Viola e toda Velha Guarda da Portela (sua escola favorita). E que, quando não havia recurso para comprar uma fantasia, aproveitava os tecidos das cortinas para fazer uma. Minha relação com a festa de Momo geralmente é espiar, ser no período habitada por um certo voyeurismo.
Minha festa não é tanto da apoteose, da avenida, da pipoca, dos arrastados dos blocos. E sim do olhar atento às cores e aos passos dos cavalos marinhos, maracatus rurais, maracatus de baque solto, das alas ursas, das tribos indígenas e do povo trabalhador que tira seu sustento das festas de rua. Reside nesse universo mítico e resiliente o que gosto de sentir. Gosto muito de fotografar o Carnaval, especialmente fazer retrato. E no último ano em preto e branco também.
Nos últimos anos, pela amizade linda com Vitória Lima, fundadora do Bloco Muriçocas do Miramar, passei a cumprir um ritual na Quarta-Feira de Fogo da agremiação. Me arrumo, e chego mais cedo na casa da amiga, para um abraço, para testemunhar sua alegria pelo reencontro com os amigos e amigas que, coloridos, foliões, chegam à sua porta. Assim celebro a vida e amizade com Vitória e tantos outros que chegam junto.
Esse ritual de encontro é lindíssimo, poético, como Vitória. Ver o movimento, encontrar Nelson e Hirlen, Rosália e George, Emília, Sarita, Rosário, Rossana, Olga, Neiliane, Ana Adelaide, Alba Lígia, Margarida, Thais, e tantas outras pessoas que chegam para prestar homenagem à foliã é sempre muito especial. Porque nesses reencontros as pessoas partilham a vida, marcam novo encontro, sorriem e cantam juntas em algum momento.
Embora minha festa favorita seja o São João (a nossa festa da colheita, o Solstício de Inverno), emociona-me ver os fogos quando os estandartes do bloco saem da casa de Vitória (do Miramar). Fogos de artifício sempre me lembram o fim e o início de algo que não sei nominar aqui por dentro de mim. Talvez eu me sinta mais próxima da Via- Láctea, das outras constelações, com aquele brilho intenso na escuridão.
Nesses últimos dois anos, quando a orquestra desce para a rua Tito Silva, minha amiga fica com os abraços da vizinhança feliz, que admira a foliã, que faz do cotidiano poesia. E lá ficamos ainda um pouco no jardim da Vitória, cercados de beleza, de bancos de cor fúcsia. Eu, fã de cadeira de balanço, tiro uma casquinha da jinga da cadeira e da brisa do jardim. A presença dela segue iluminando a noite encantada.
Enquanto o bloco desce as ladeiras rumo à praia, ali na companhia de Carlos e Vitória eu pairo sentindo o cheiro das flores. E Vitória nos faz brindar a vida e nossa amizade.
Sentada, a me balançar, ainda lembro das cenas dos carnavais da infância quando ao ver um boi, ou papangu, corria para me esconder. Ou quando pequenina, entrava nas casas da vizinhança e via o chão forrado com confete e serpentina.
Esse ano, pela TV, ao ver “Maria, Maria” tocada por uma bateria de escola de samba que homenageava Milton Nascimento, pensei com convicção: de fato, se o Brasil não é mais o país do futebol, segue sendo o país do Carnaval.
E foi na vibração carnavalesca que nos juntamos num domingo, para fazer de uma cerimônia tediosa como o Oscar, uma folia carnavalesca, ao torcermos de Norte a Sul país pelo nosso cinema, história, memória. A premiação do filme Ainda Estou Aqui representou, entre tantas coisas, nossa resistência, coragem e vitória no enfrentamento as diferentes formas de violência.
E na segunda-feira de Carnaval, a gente acordou assim que nem Cartola e Dona Zica da Mangueira, cantando: “Fez-se a alegria, corra e olhe o céu, que o sol vem trazer, bom dia”. Era o bloco da felicidade, nos dizendo para sorrir! Sorriam!!!!
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 07 de março de 2025.