Notícias

Pequeno barco na imensidão do mar

publicado: 25/04/2025 10h02, última modificação: 25/04/2025 10h02

por Sandra Raquew Azêvedo*

Tenho estado triste. Na última segunda-feira (21), depois de 15 horas voando, cheguei em casa. E, horas depois, uma notícia me arrastou para esse lugar da dor. Alguém informava num grupo sobre a partida repentina e precoce do pesquisador Igor Sacramento.

Que mistério e que avassalador. Eu fiquei achando que fosse desinformação, alguma confusão. Eu queria muitíssimo que fosse apenas um erro. Infelizmente, não era. Igor Sacramento partiu cedo demais. Repentinamente. Quem não teve a oportunidade de conhecê-lo ainda pode, pela sua intensa escrita e dedicação à área de comunicação: há muito do seu trabalho que pode ser acessado. Profissional respeitado, com currículo construído dentro de uma trajetória acadêmica de lutas, dedicação e reconhecimento.

Atuava no Laboratório de Pesquisa em Comunicação e Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Laces/Icict/Fiocruz), em tantas outros significativos espaços e associações em nossa área profissional.

Conheci Igor durante a pandemia. Li seu texto em que analisava postagens na rede social Instagram sobre saúde e alimentação. Uma reflexão relevante no campo da saúde coletiva. Foi a partir dele, fazendo uma pesquisa sobre a Covid-19, em 2020, que contatei o pesquisador e o convidei para um momento de reflexão e debate com um nosso grupo de pesquisa, o Objor Semiárido.

Naquele período, o da pandemia, todos e todas nós trabalhando três experientes, e ainda assim o Igor se dispôs a estar conosco on-line. Foi uma experiência gratificante, por ver aquele menino tão jovem, cheio de talento, construindo uma relação com outros jovens pesquisadores e pesquisadoras da iniciação científica.

A partir dali, nasceu nosso bem-querer. Nosso respeito mútuo e partilhas que fazíamos on-line, pelas redes sociais. E em momentos de construção de trabalho. Considerando também que, meses depois, ele contribuiria para o podcast que estávamos fazendo e nos daria uma entrevista significativa.

Sua vinda à Universidade Federal da Paraíba (UFPB) também possibilitou aquele momento do abraço, do riso, do pós-pandemia e isolamento social, e da oportunidade de ele poder conhecer um pouco da nossa universidade e trabalho.

Sempre tive orgulho da postura autêntica dele. E por não silenciar situações de racismo. Igor Sacramento teve também especial cuidado com a memória de diferentes trajetórias profissionais, em nossa área de atuação.

No início de abril, nos falamos, quando o consultei sobre a possibilidade de nos encontrarmos em Londres, numa agenda de trabalho na Loughborough University London. Infelizmente, não foi possível pelos compromissos dele num seminário em Grenoble. Estávamos tão perto, mas com uma agenda distinta.

Quando escrevo agora sobre ele, eu fico refletindo como ciência é construída por um esforço imenso, de dedicação e de entrega. E de como ser cientista exige escolhas desafiadoras. Igor fez um caminho digno, autêntico. Um caminho da ciência com afeto, leveza, charme. Era muito charmoso, de fino trato. E repleto de amorosidade. Penso na mãe do Igor, a quem tinha reconhecimento e orgulho. Com quem partilhava o cotidiano, os sonhos, a caminhada de bem viver.

Tudo que eu queria naquela tarde de segunda--feira era que aquela informação sobre a partida dele fosse falsa, fosse um erro, um equívoco, um mal-entendido.

Não posso mudar o tempo. E, enquanto caminho na experiência de um certo vazio e inconformidade, eu peço muito ao sagrado da vida que traga amparo a toda a família e, em especial, a sua mãe.

Hoje, eu escutei um pouco de sua voz por causa das entrevistas que fizemos. Pensei sobre os riscos que passamos ao deixarmos nossos países, nossas casas e famílias para, no trabalho como cientistas, tecer o mundo que acreditamos ser um pouco mais justo, mais igualitário.

Atravessando essa tristeza, hoje, eu vi uma chuva de sol iluminando um pequeno barco na imensidão do mar. Um amanhecer sépia, que me trouxe uma visão de beleza pela presença iluminada de Igor Sacramento.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 25 de abril de 2025.