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Uma garota, um rádio de pilha

publicado: 09/05/2025 14h12, última modificação: 09/05/2025 14h13
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Espanto e felicidade com “Panis et circenses”, dos Mutantes | Foto: Divulgação

por Sandra Raquew Azevêdo*

Na expectativa para ver o filme sobre a vida do artista Ney Matogrosso fiquei pensando sobre as canções que me formaram. Ao caminhar sutilmente vendo o dia amanhecer fui me dando conta de que uma pessoa que cresceu com as canções que carrego comigo só podia ser incomum.

Desde muito cedo o chão da vida no sertão era muito melódico. O nosso próprio sotaque era porque não dizer um modo de cantar as palavras. Isto num tempo em que as vozes não eram tão padronizadas e as palavras esvaziadas de sentido.

As músicas na infância podiam ter cheiro do dia amanhecendo ao som de algum xote, baião, xaxado que ecoavam de alguma rádio, e nos fazia conhecer artistas como Jackson do Pandeiro, Marinês, Trio Nordestino, Dominguinhos, Cecéu e Antonio Barros... As canções também evocavam a vida do trabalhador e trabalhadora. Por esta razão era muito presente os cantos de trabalho.

Nascer em meados da década de 1970 foi para mim algo incrível, porque apesar das ditaduras na América do Sul, havia uma profunda resistência que se construía através das músicas do período. E essas canções foram verdadeiramente uma escola para mim.

Nunca vou esquecer o meu espanto e felicidade com a letra de “Panis et circenses”, dos Mutantes. Eu ainda pendurada na infância e aberta as mutações da adolescência me achei nesta música. E dizendo um pouco para mim mesma que nunca seria “as pessoas da sala de jantar, ocupadas em nascer e morrer”.

Uma garota, um rádio de pilha, uma toca discos, um violão. O coral da igreja, os conjuntos musicais. Um território sonoro fecundo. Sendo a número seis de oito prestei muita atenção nas músicas que irmãos e irmã traziam para o ambiente da casa, da vida.

Até hoje amo profundamente “Sangue latino” e “Pavão misterioso”. Músicas que revisitei em muitos momentos da vida. Especialmente quando dividi quarto com Silvânia Carvalho, na Residência Universitária, quando existia tempo de sobra para passar tardes, e noites imersas nos álbuns mais que amados.

O amor pela música me ancorava em mim mesma. Como também me ajudava a sonhar, a desejar, a expressar melhor algumas ideias e a fazer a leitura da realidade. As canções de Gonzaguinha, Cazuza, Legião Urbana, João do Vale, Torquato Neto... “Mamãe, mamãe, não chore, a vida é assim mesmo eu fui embora... Ser mãe é desdobrar fibra por fibra os corações dos filhos... Mamãe, seja feliz”.

Durante muito tempo gravei fitas. Achei o máximo a invenção do gravador. E a possibilidade de montar trilhas sonoras com as músicas preferidas. Para poder escutar num pequeno aparelho. Para poder presentear, ou simplesmente para sonhar acordada costurando numa fita magnética canções.

Se muita gente gosta de cheirar livro. Eu adoro ver capa de discos. Observando a arte descobri verdadeiras pérolas sonoras. A sensação de mover os dedos em alguma loja de discos catando, procurando o que você nem sabe ao certo, é bom. Porque no fundo a gente tem uma certa intuição de que vai encontrar algo legal para escutar.

As mudanças tecnológicas transformaram muito o jeito que a gente escuta música e carrega canções. Mesmo assim, uma das coisas que me divertia bastante no Chile, era encontrar lojas de música que em pleno século 21 vendiam fitas cassetes de muitos artistas.

Tendo uma imaginação povoada por esse universo eu opto muitas vezes em ofertar música às pessoas de quem gosto muito. Especialmente as mais íntimas. As músicas carregam uma certa liquidez, algumas canções podem ser tão fluídas quanto as borboletas.

Quando o silêncio por completo me habita, encosto a cabeça no travesseiro, fecho os olhos e permito as canções florescerem em meu ser.

Na expectativa para ver o filme sobre a vida do artista Ney Matogrosso fiquei pensando sobre as canções que me formaram. Ao caminhar sutilmente vendo o dia amanhecer fui me dando conta de que uma pessoa que cresceu com as canções que carrego comigo só podia ser incomum.

Desde muito cedo o chão da vida no sertão era muito melódico. O nosso próprio sotaque era porque não dizer um modo de cantar as palavras. Isto num tempo em que as vozes não eram tão padronizadas e as palavras esvaziadas de sentido.

As músicas na infância podiam ter cheiro do dia amanhecendo ao som de algum xote, baião, xaxado que ecoavam de alguma rádio, e nos fazia conhecer artistas como Jackson do Pandeiro, Marinês, Trio Nordestino, Dominguinhos, Cecéu e Antonio Barros... As canções também evocavam a vida do trabalhador e trabalhadora. Por esta razão era muito presente os cantos de trabalho.

Nascer em meados da década de 1970 foi para mim algo incrível, porque apesar das ditaduras na América do Sul, havia uma profunda resistência que se construía através das músicas do período. E essas canções foram verdadeiramente uma escola para mim.

Nunca vou esquecer o meu espanto e felicidade com a letra de “Panis et circenses”, dos Mutantes. Eu ainda pendurada na infância e aberta as mutações da adolescência me achei nesta música. E dizendo um pouco para mim mesma que nunca seria “as pessoas da sala de jantar, ocupadas em nascer e morrer”.

Uma garota, um rádio de pilha, uma toca discos, um violão. O coral da igreja, os conjuntos musicais. Um território sonoro fecundo. Sendo a número seis de oito prestei muita atenção nas músicas que irmãos e irmã traziam para o ambiente da casa, da vida.

Até hoje amo profundamente “Sangue latino” e “Pavão misterioso”. Músicas que revisitei em muitos momentos da vida. Especialmente quando dividi quarto com Silvânia Carvalho, na Residência Universitária, quando existia tempo de sobra para passar tardes, e noites imersas nos álbuns mais que amados.

O amor pela música me ancorava em mim mesma. Como também me ajudava a sonhar, a desejar, a expressar melhor algumas ideias e a fazer a leitura da realidade. As canções de Gonzaguinha, Cazuza, Legião Urbana, João do Vale, Torquato Neto... “Mamãe, mamãe, não chore, a vida é assim mesmo eu fui embora... Ser mãe é desdobrar fibra por fibra os corações dos filhos... Mamãe, seja feliz”.

Durante muito tempo gravei fitas. Achei o máximo a invenção do gravador. E a possibilidade de montar trilhas sonoras com as músicas preferidas. Para poder escutar num pequeno aparelho. Para poder presentear, ou simplesmente para sonhar acordada costurando numa fita magnética canções.

Se muita gente gosta de cheirar livro. Eu adoro ver capa de discos. Observando a arte descobri verdadeiras pérolas sonoras. A sensação de mover os dedos em alguma loja de discos catando, procurando o que você nem sabe ao certo, é bom. Porque no fundo a gente tem uma certa intuição de que vai encontrar algo legal para escutar.

As mudanças tecnológicas transformaram muito o jeito que a gente escuta música e carrega canções. Mesmo assim, uma das coisas que me divertia bastante no Chile, era encontrar lojas de música que em pleno século 21 vendiam fitas cassetes de muitos artistas.

Tendo uma imaginação povoada por esse universo eu opto muitas vezes em ofertar música às pessoas de quem gosto muito. Especialmente as mais íntimas. As músicas carregam uma certa liquidez, algumas canções podem ser tão fluídas quanto as borboletas.

Quando o silêncio por completo me habita, encosto a cabeça no travesseiro, fecho os olhos e permito as canções florescerem em meu ser.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 09 de maio de 2025.