Como o mundo se ampliando nos olhinhos tão pequenos dos monóculos, com as fotos em família, eu gostava de passar horas diante da árvore de Natal da casa dos meus avós, vendo uma versão minúscula de mim se agigantar ao meu entorno, refletido naqueles globos vermelhos que a minha avó pendurava nas árvores, se sustentando na debilidade de um lacinho, preso nos galhos mais baixos. Quantas vezes não me aproximei da tentação daquele espelho, na ilusão de que não o deixaria cair, e via o meu universo partir-se em milhares de fragmentos porque, na época, a decoração era frágil, aqueles globos eram guardados o ano todo como um tesouro ancestral, de uma época em que não havia isopor nem plástico, e o material era quase uma película fina como a de uma lâmpada fluorescente, que se espatifava deixando uma nuvem venenosa, aos poucos se sedimentando no chão numa montanha de pó.
É provavelmente uma das minhas primeiras recordações do Natal: as reprimendas por pôr a perder aquele tesouro, o castigo a um Ícaro que queria voar perto demais do Sol, a mariposa abatida por se aproximar do néon, querendo ver o mundo um pouco mais colorido. Desde então, as luzes de Natal me entristecem. Me ponho melancólico passeando pelas ruas, vendo as casas iluminadas, competindo pelo que os demais consideram um espetáculo, o espírito natalino se manifestando em cores que me remetem àquela tragédia iminente: meu mundo em pedaços, se espalhando aos meus pés por minha culpa, minha máxima culpa, como um menino mau que não merece o presente de Papai Noel.
Esse sentimento me acompanhou por toda a infância, e por natais sem presentes ou com presentes irrelevantes porque a família sempre se reunia, e a família era grande. O único brinquedo que ganhei de que me lembro foi um carrinho à fricção, uma viatura de polícia exibindo aquele giroflex piscante que, na sinestesia do meu trauma, me faria brincar com aquele veículo uma vez apenas, me imaginando preso no banco traseiro, depois de ser algemado e materializar o clichê dos filmes da sessão da tarde em que o policial pousava a mão na cabeça do delinquente, como um Jesus piedoso, prestes a benzer sua alma, em vez disso empurrando-o no carro e o atirando ali, com as mãos algemadas nas costas.
Demorei a entender que não era o Natal quem era triste: quem era triste era eu, e de nada adiantou tentar construir lembranças mais alegres quando cresci e meu tio caçula passou a organizar os amigos-secretos da família até o dia em que ele morreu subitamente e os natais já eram a falta desse tio, de suas brincadeiras, dos presentes sem cabimento que alguém escolhia da montanha de embrulhos perto da árvore de Natal porque seu amigo--secreto era assim: se tirava na hora, a pessoa escolhia seu presente e o próximo tinha direito a trocá-lo, se a caixa enorme escondesse um paralelepípedo ou a caixa menor tivesse na verdade uma joia cobiçada.
Minha sobrinha nasceu e falhei em ser esse tio, por pura superstição. Eu não queria morrer sendo a falta do Natal de alguém, especialmente o dela, num futuro ainda incógnito. Em nosso primeiro Natal juntos, ela dançou ao som de uma música e todos à sua volta também dançaram, e aquele baile improvisado trouxe talvez uma de minhas primeiras e únicas alegrias de Natal. Tentei repeti--lo esse ano, o baile, mas ela estava distraída demais com o pula-pula que eu, o tio que queria construir recordações mais felizes, comprei em várias prestações sem juros, porque vê-la saltitando numa cama elástica, ofegando e com um sorriso de dentes diminutos no rosto, é certamente uma alegria para o ano inteiro; a fatura do cartão é só mais uma oportunidade de lembrar disso.
O baile foi mais modesto: ela, seu pai e eu, em volta do pula-pula que agora é o mundo onde ela parece se sentir maior, mais gigante, sem o risco de quebrar-se porque a resistência do brinquedo é de cinquenta quilos; ela, com dois anos, não tem nem metade disso.
Teve bingo, depois que ela saiu, e mais uma tradição se renovou.
Mas luzes de Natal seguiram ali, à espreita, numa árvore com seus globos de melancolia que agora não refletem mais nada, porque são foscas e inquebráveis, mas prometiam permanecer iluminadas a madrugada inteira não fosse eu, antes de dormir, cometer a pequena transgressão de desligá-las.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 28 de dezembro de 2024.