Quem chega a João Pessoa logo percebe que a cidade já não é a mesma de anos atrás. A capital paraibana, que, por muito tempo, era lembrada por seu ritmo tranquilo e sua orla preservada, hoje desponta como a queridinha de brasileiros — e até de estrangeiros — que buscam qualidade de vida, belezas naturais e infraestrutura urbana em expansão. O resultado desse encanto é visível no horizonte: a cidade cresce para cima, com novos edifícios mudando a paisagem e consolidando a verticalização como marca do seu desenvolvimento recente.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) de 2024, divulgada pelo IBGE, João Pessoa é a capital que mais cresce em verticalização do Nordeste e a quinta no ranking nacional. Atualmente, 43,2% dos domicílios da cidade são apartamentos — um índice quase cinco vezes maior que a média regional (9,6%) e três vezes acima da média do país (15,3%). O salto foi expressivo: em 2016, apenas 30% das moradias eram em prédios, número que avançou para os atuais 43,2%, um crescimento de 13,2 pontos percentuais (p.p), o maior registrado entre todas as capitais brasileiras.
Na prática, isso significa que João Pessoa está lado a lado com grandes centros urbanos. A capital paraibana só fica atrás de Vitória (51,1%) e Rio de Janeiro (49,4%), superando metrópoles como São Paulo e Belo Horizonte. Ainda assim, a realidade no restante do estado é distinta: de 1,47 milhão de moradias permanentes na Paraíba, 86,1% ainda são casas, o que reforça a capital como motor dessa transformação urbana.
O movimento acompanha uma tendência nacional de crescimento de apartamentos, mas de forma mais intensa. Enquanto a Paraíba cresceu 4,9 ponto percentual (p.p.) de 2016 a 2024, o Nordeste avançou apenas 1,1 p.p. e o Brasil, 1,6 p.p. no mesmo período.
Valorização
Para a vice-presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis da Paraíba (Creci-PB), Roseli Cavalcanti, a verticalização de João Pessoa é resultado da valorização das áreas litorâneas, da limitação territorial para expansão horizontal e do crescimento da demanda por empreendimentos multifamiliares. “Diferente de outras capitais do Nordeste, o processo aqui ocorre de forma mais planejada, com legislação que preserva a orla marítima e direciona o adensamento para bairros estratégicos”, avalia.
Roseli destaca ainda que a verticalização não se restringe às áreas mais nobres da cidade. “O limite de gabarito na orla atrai um perfil diferenciado de investidores que enxergam a exclusividade e a valorização do produto. Ao mesmo tempo, incentiva a verticalização em outras regiões, pois amplia o raio de desenvolvimento urbano de João Pessoa”, explica.
Segundo a dirigente, o mercado está em expansão tanto no segmento de médio e alto padrão quanto no popular. “O segmento residencial é o grande motor do crescimento, especialmente os imóveis voltados para famílias e investidores que buscam valorização patrimonial. O mercado popular também tem relevância, impulsionado por programas habitacionais e crédito facilitado”, analisa.
Ela ressalta que o setor imobiliário tem puxado a economia local de forma decisiva. “A construção civil movimenta uma ampla cadeia produtiva — desde arquitetura, design e intermediação imobiliária até a arrecadação municipal. Isso gera milhares de empregos diretos e indiretos, fortalece o comércio e atrai novos investimentos para João Pessoa”, acrescenta.
Desafio é expandir sem perder qualidade de vida
A expansão vertical da capital paraibana também é acompanhada com atenção pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Paraíba (CAU-PB). Para o presidente da entidade, Ricardo Vidal, a verticalização pode ser um sinal de desenvolvimento, mas só se traduz em qualidade de vida quando vem acompanhada de planejamento. “É natural que cidades em crescimento adotem edifícios mais altos para otimizar o uso do solo, porém isso exige investimentos em infraestrutura, mobilidade e áreas verdes”, pontua.
Segundo Vidal, o grande desafio é equilibrar adensamento populacional e infraestrutura. Sem um plano integrado, a concentração de prédios em determinadas regiões pode gerar sobrecarga em serviços públicos, trânsito congestionado, drenagem insuficiente e perda da identidade urbana. “Quando bairros tradicionais passam por transformações abruptas, eles podem perder sua escala humana e suas referências culturais”, alerta.
O arquiteto destaca ainda que a verticalização modifica o cotidiano da cidade e a forma de convivência entre os moradores. Se nos bairros horizontais a vida se desenrola nas calçadas, praças e ruas, nos edifícios os encontros passam a se restringir a áreas comuns, como halls, elevadores e salões. Além disso, o adensamento concentra muitas pessoas em poucos pontos, exigindo transporte coletivo mais eficiente, comércio de proximidade fortalecido e novas formas de convivência urbana.
De acordo com o presidente do CAU-PB, quando o crescimento vertical é planejado, ele pode ser um aliado da mobilidade ativa, reduzir deslocamentos longos e aproximar serviços essenciais da população. Mas, para isso, é preciso alinhar os novos empreendimentos às políticas urbanísticas, respeitando índices de ocupação, ampliando calçadas, criando corredores verdes e incentivando fachadas ativas que dialoguem com a cidade.
Casa ou apartamento?
Enquanto João Pessoa cresce para cima e a verticalização torna-se marca da cidade, os moradores seguem suas escolhas, cada um do seu jeito. Betinha Cavalcanti, aposentada, sempre viveu em casas, mas decidiu apostar na praticidade de um apartamento. “Hoje moro no mesmo prédio de uma das minhas filhas. Eu amava a casa, mas não me arrependo. Não tenho mais vontade de voltar para casa”, conta, entre risos, celebrando a proximidade da família e a rotina facilitada pelo prédio. “Basta pegar o elevador e já estou com meus netos”, complementa.
Por outro lado, para Idris Brito, presidente da Associação de Moradores e Amigos do Bairro Portal do Sol (Amasol), a escolha por casas reflete uma busca por liberdade, contato com a natureza e convivência comunitária. “Já morei em apartamentos, mas a casa sempre representou mais autonomia, qualidade de vida e pertencimento. Gosto de cultivar plantas, receber amigos, ouvir os sons da vizinhança e ver as crianças brincando na rua. O apartamento não me dá essa sensação de pertencimento e convivência comunitária que uma casa proporciona”, explica.
Idris também reforça a preocupação com o crescimento acelerado e, muitas vezes, desordenado da verticalização. “O desenvolvimento urbano é necessário, mas precisa ser conduzido com planejamento, equilíbrio e respeito ao meio ambiente. Quando o crescimento ocorre sem critérios, a infraestrutura urbana é pressionada, áreas verdes são reduzidas e a identidade dos bairros se perde. Não se trata de ser contra prédios, mas de defender uma cidade harmônica, inclusiva e sustentável”, adverte.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 7 de setembro de 2025.