Notícias

joão pessoa

Comércio de móveis usados resiste no Centro Histórico

publicado: 29/01/2024 09h40, última modificação: 29/01/2024 09h40
Empresários se orgulham da atividade e celebram clientela pequena, mas fiel
2024.01.16_moveis usados_joao henrique © roberto guedes (46).jpg

"Eu já tive cliente que chegou aqui e queria comprar só um utensílio, mas acabou levando muita coisa porque achou bonito e bem conservado" Sérgio Coutinho - Foto: Roberto Guedes

por Alinne Simões*

Há 52 anos trabalhando com a venda de móveis usados e antigos, na Rua da República, no Centro Histórico de João Pessoa, a história de João Henrique se confunde com a do seu próprio comércio. Em idade de se aposentar e aproveitar a vida ao lado da sua esposa, ele conta que não consegue ficar um dia sequer sem ir a sua loja. “A mulher reclama porque eu venho todos os dias trabalhar, mas é aqui onde eu me sinto bem”, reconhece.

Satisfeito com a vida, como ele mesmo faz questão de dizer, João Henrique é um contador de histórias e elas estão conectadas em cada móvel que ele faz questão de mostrar. “Esse piano foi do Teatro Santa Roza... Essa arca foi feita na década de 30... Aqui na loja já comprou Pedro Gondim (o ex-governador), João Agripino (também ex-governador) e aquele menino, Cássio Cunha Lima, e o pai dele (Ronaldo Cunha Lima)...”, lembra. Essas são só algumas das inúmeras histórias contadas pelo empresário em pouco mais de 10 minutos de conversa.

Na loja, ele disse vender de tudo, porém a grande maioria dos móveis são considerados “antigos”. Segundo ele, estes são os mais procurados pela qualidade “que é superior aos fabricados atualmente”. “Até meados dos anos 2000, digamos, as empresas só trabalhavam com móveis de madeira imbuia, cerejeira, sucupira, então, eram móveis para durarem 100, 200 anos. Hoje, só se trabalha com MDF aglomerado, que se você atravessa de uma rua para outra, chuviscando ou até sem chover, se acaba, se desmancha”.

Por esse motivo também, o público desse tipo de produto é bem específico, sendo procurado por pessoas de idade mais avançada, colecionadores ou apreciadores deste tipo de móvel. “Aqui no centro de João Pessoa, só vem comprar pessoas acima de 40, 50 anos e aposentados”, destaca. João também vende mobiliários usados de fabricação mais recente, só que em menor quantidade. E até está começando a comercializar nas redes sociais. Ele não tem cartão de visitas, mas se empolga ao dizer que está no WhatsApp. “Pode falar comigo por aqui que a gente dá um jeito”, acrescenta mostrando o celular.

Clientes buscam originalidade e qualidade 

A estratégia de vender pelas redes sociais, inclusive, tem sido uma alternativa para outros comerciantes de móveis usados do Centro Histórico de João Pessoa, uma vez que, nos últimos anos, as vendas presenciais têm diminuído, conforme relatam.

O comerciante Sérgio Coutinho, que também tem uma comércio de móveis usados e antiguidades na Rua da República, conta que começou vendendo móveis novos no final do anos 90, mas por volta de 2001, com a forte concorrência dos atacadistas, fez a transição.

Hoje, para vencer a concorrência, ele teve que se adaptar ao universo das tecnologias e passou a comercializar não só na loja, mas no Instagram. “Na internet, nós temos um grande concorrente que é a OLX, mas nós temos o Instagram. Apesar de que ainda tem cliente que quer ver fisicamente, pegar e levar na hora”, revela Sérgio. O comerciante conta que em relação aos móveis usados, os atacadistas “atrapalham” muito o seu comércio, porque oferecem preços e prazos atrativos, que os pequenos comerciantes não conseguem oferecer.
Sérgio relata ainda que sempre esteve no mesmo lugar e que sua loja é conhecida por ter de tudo. “É vidro, plástico, móveis, artesanato e antiguidades”, diz. E o que mais tem saída, segundo ele, são os móveis usados em geral, comprados para suprir uma necessidade. “Uma mesa com quatro cadeiras, um fogão, uma geladeira, uma estante, um cama box casal. No início do ano, sempre vêm muitos estudantes, esse pessoal que vai iniciar a faculdade”, frisa.

Todavia, ele conta que a venda de antiguidades, muitas vezes, “salva o mês”. “As antiguidades envolvem os colecionadores, e tem colecionador de pratos, de bules, de andorinhas, de tudo. É incrível!”, diverte-se. Esses colecionadores são pessoas com um poder aquisitivo mais alto, que geralmente pagam mais caro para ter um produto considerado raro. “O que marca para a gente, na verdade, é a venda substancial. Eu já tive cliente que chegou aqui e queria comprar só um utensílio, mas acabou levando muita coisa porque achou bonito e bem conservado. Recentemente, teve uma senhora que veio aqui, a gente começou a conversar e lembrei que fazia uns 10 anos que ela tinha feito uma grande compra. Foram umas 30 peças e ela precisou carregar num caminhão. Isso a gente não esquece”.

2024.01.16_moveis usados_sergio coutinho © roberto guedes (10).jpg
Proprietários de lojas, como seu João Henrique, mantêm empresas ativas há décadas - Foto: Roberto Guedes

Menos lojistas e clientes

Proprietário de uma loja de móveis usados, Ari Alves, veio de Guarabira no início dos anos 80 e disse que já viveu grandes momentos naquele espaço, que vendia muito, mas que agora o “comércio está muito parado”. Ele desabafa e diz que não está comprando mais produtos, que vai vender o estoque e fechar o estabelecimento.

“Faz uns 40 anos que estou aqui, houve um tempo em que isso aqui tinha umas 80 lojas, hoje se tiver 13 é muito. Eu criei meus filhos com isso aqui, mas agora está parado. Estou vendendo só o que tem aqui e vou repousar, cuidar dos meus netinhos”, informa. Para Ari, houve um esvaziamento do centro, causado pelo crescimento do comércio nos bairros e, também, pelo “abandono” dos poderes públicos.

“Aqui eu fiz grandes amizades, para mim isso aqui é uma beleza, é uma terapia. Eu já vendi muito aqui, mas do jeito que está, infelizmente, não dá pra continuar”, reflete o comerciante ao lembrar que em outras épocas o comércio tinha muitos clientes, mas que agora poucas pessoas “aparecem para comprar algo”.

Contudo, ainda há quem prefira o local para adquirir peças de qualidade. “Eu estou procurando uma escada e vim aqui, até mesmo, para tentar movimentar esse comércio que é meio esquecido”, confessa o comerciante Jairo Gomes, que estava procurando uma escada “de abrir e fechar”. Ele conta que já comprou outras vezes em lojas de móveis usados, porque tem muita coisa boa, com materiais bons e de utilidade. “Os móveis aqui têm um tempo de vida muito maior do que os feitos hoje. As pessoas esqueceram um pouco desses comércios, mas eles têm muita coisa boa”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 28 de janeiro de 2024.