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Pedras no caminho

Estatuto do Idoso não é suficiente

publicado: 06/05/2024 10h09, última modificação: 06/05/2024 10h09
Leis pontuais foram sancionadas e trouxeram mudanças no texto, mas ainda são necessárias atualizações
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Os idosos José Severino (à direita) e Luís Torres têm 75 e 70 anos, respectivamente. Moradores de João Pessoa, eles gozam do direito à gratuidade do transporte público e de medicamentos | Foto: Sara Gomes

por Sara Gomes*

O Estatuto da Pessoa Idosa (Lei no 10.741), criado em 1o de outubro de 2003, revolucionou os direitos da pessoa idosa no âmbito da saúde, assistência social, no transporte público, moradia, serviços, prioridade em processos judiciais, além da garantia de direitos fundamentais. O atendimento preferencial a pessoas a partir de 60 anos é um desses direitos.  Dentre esse público, pessoas com mais de 80 anos têm prioridade absoluta, inclusive, sobre os 60+. Mas será que a população idosa conhece todos os seus direitos? O Estatuto da Pessoa Idosa está sendo cumprida de forma efetiva ou precisa de reformulação?

Algumas leis pontuais foram sancionadas e trouxeram mudanças ao Estatuto da Pessoa Idosa, mas cabe ressaltar a importância das atualizações, avaliações e fiscalizações das políticas públicas para uma melhor efetivação da lei. Faz-se necessário um fortalecimento dos órgãos e das entidades fiscalizadoras, além do fortalecimento do trabalho juntamente com a rede de proteção social.

Morador de Cruz das Armas, José Severino da Silva, de 75 anos, reclama da falta de respeito à pessoa idosa no transporte público. Por diversas vezes, o motorista não parou quando Severino acenou na parada. “Falta preparo e sensibilidade no tratamento com os idosos, inclusive, pelos funcionários da empresa de transporte público”, declara.

Outro descaso é ir em pé no transporte público, enquanto jovens fingem não o perceber. “Eu nunca pensei que envelhecer seria tão sofrido. Infelizmente, o velho é descartável neste país”, desabafa.

A insatisfação de José Severino não é só com o transporte público. Há três anos, o idoso descobriu um “caroço” na barriga. Ele foi atendido em um serviço de emergência e encaminhado para o Hospital Universitário, onde deu continuidade ao tratamento. Porém, recentemente, ele percebeu a volta dos sintomas e não tem recebido uma atenção tão adequada quanto antes. “O posto de saúde já marcou os exames, mas não tenho esperança de ser atendido tão cedo”, lamenta.

Medicamentos

Luís Torres, de 70 anos, usufrui o direito à gratuidade de medicação de uso contínuo para controle de diabetes e pressão alta. “Eu passei na farmácia e já peguei o remédio, só precisei levar a receita de controle da unidade de saúde da família”, contou.

Realidade de idosos no Brasil exige readequação de leis

A assistente social e gestora da instituição de longa permanência Vila Vicentina, Amanda Silva, pontua algumas demandas a serem reavaliadas na busca por melhorias na efetivação do Estatuto do Idoso.

“As instituições de longa permanência são o suficiente para atender a demanda de pessoas idosas em situação de vulnerabilidade? Um salário mínimo — pago por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC) — é o suficiente para atender as necessidades básicas de um idoso? Na saúde pública, a pessoa idosa tem prioridade em exames e internação hospitalar, mas será que este direito realmente funciona?”, questiona. 

Foto: Arquivo Pessoal

Apesar do sistema de proteção social ser um mecanismo bem concreto, as instituições de longa permanência são estigmatizadas culturalmente, como lugares de pessoas que não têm mais utilidade à sociedade.

“Os familiares, em diversas situações, alegam não ter condições ou estrutura para o cuidado com a pessoa idosa. É preciso analisar a situação de cada indivíduo: ele tem família? Qual a rotina da casa? Ele é independente? Afinal, a institucionalização deve ser o último caminho dentro do que estabelece a proteção social de alta complexidade”, pontua Amanda Silva.

Além dos institutos de longa permanência, existem outras modalidades de atendimento à pessoa idosa, como, por exemplo, centro de convivência, centro-dia e casa-lar. “Esses espaços deveriam ser fortalecidos, entendendo a importância da preservação da autonomia da pessoa idosa”, complementa a gestora do Vila Vicentina.

Falta de proteção

Para a 46a promotora de Justiça de João Pessoa, Fabiana Lobo, uma das possíveis reformas legislativas para o Estatuto da Pessoa Idosa seria a criação de um órgão com função semelhante à do Conselho Tutelar, como ocorre na área da Infância e Juventude.

É preciso analisar a situação de cada indivíduo. A institucionalização deve ser o último caminho dentro do que estabelece a proteção social de alta complexidade
- Amanda Silva

“Se chega uma denúncia de violência contra uma criança ou adolescente, o Conselho Tutelar tem atribuição legal de ir à localidade, fazer fiscalização, relatório e pedir uma medida protetiva. Seria de extrema importância um Conselho Tutelar voltado à pessoa idosa. O Conselho Municipal do Idoso não tem essa atribuição no Estatuto, e sim, na definição de política pública”, explica.

Conforme Fabiana Lobo, a promotoria recebe diariamente denúncias de violações destes direitos, desde a falta de vagas em instituições de longa permanência até violências no âmbito familiar, sobretudo quanto ao patrimônio do idoso. “As violações no seio familiar são os casos majoritários”, aponta.

Idosos têm Prioridade em Serviços
É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. 

Conheça alguns direitos da população 60+
- Benefício de Prestação Continuada (BPC) no valor de um salário mínimo para pessoas com idade a partir de 65 anos que não possuem meios de subsistência;
- Gratuidade do transporte público para maiores de 65 anos;
- Reserva de 5% das vagas nos estacionamentos públicos e privados;
- Prioridade e segurança nos procedimentos de embarque e desembarque nos veículos de transporte coletivo;
- Meia-entrada em atividades culturais, de lazer e esportiva;
- Meia-passagem em viagens interestaduais;
- Prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria em programas habitacionais públicos ou subsidiados com recursos públicos;
- Prioridade na tramitação de processos jurídicos e na execução de atos e diligências judiciais que figurem como parte ou interveniente a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. A prioridade se estende aos processos e procedimentos na administração pública, empresas prestadoras de serviços públicos e instituições financeiras, além dos serviços de assistência jurídica prestados pela Defensoria Pública da União;
- Preferência especial para idosos maiores de 80 anos em atendimento de saúde (exceto em caso de emergência dos pacientes com idade inferior).