O preço da soberania brasileira pode vir na forma de açúcar parado nos armazéns da Paraíba. Em agosto, nenhuma grama do açúcar produzido no estado subiu pelo Atlântico rumo aos Estados Unidos. A retração coincide com a entrada em vigor das tarifas de 50% impostas pelo governo do presidente Donald Trump sobre o produto brasileiro.
Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços mostram que a queda foi de US$ 1,22 milhão, em agosto de 2024, para zero no mesmo mês de 2025. No primeiro semestre deste ano, os EUA representavam o quarto maior destino do açúcar paraibano, com US$ 3,16 milhões em vendas — atrás de Geórgia (US$ 9,29 milhões), Argélia (US$ 8,70 milhões) e Indonésia (US$ 4,10 milhões).
“O número está correto, mas essa queda para zero não está relacionada só com as tarifas”, explica Edmundo Barbosa, presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Fabricação do Álcool no Estado da Paraíba (Sindalcool-PB), que congrega empresas de toda a cadeia produtiva do setor de açúcar e biocombustíveis no estado. Segundo ele, além do efeito das medidas, houve fatores logísticos e sazonais. “Agosto é um mês ainda de estoque muito baixo, praticamente zerado, porque a safra começa nesse período”.
Apesar disso, o impacto financeiro surpreendeu o setor. A primeira estimativa de prejuízo com as sobretaxas de Trump girava em torno de R$ 40 milhões, mas já chega a mais de R$ 400 milhões: 10 vezes mais. “No primeiro momento pensamos apenas nos contratos. Hoje, vemos que o prejuízo alcança também a cota americana e o compasso de espera dos contratos suspensos”, esclarece Barbosa.
Esses contratos suspensos têm comprometido a liquidez das operações e a previsibilidade do setor, afirma o dirigente. Ele observa que a interrupção, contudo, ainda não afetou o funcionamento imediato das usinas: “Não há nenhuma mudança nesse sentido de férias coletivas ou de fechamento de qualquer empresa. A gente vai buscando encontrar outros caminhos”. Um desses caminhos aponta para outros continentes.
Cerca de 70% do açúcar brasileiro segue atualmente para países da África e da Ásia. Barbosa cita que representantes do setor já vêm mantendo conversas com países como México (que recentemente ampliou em 250% a compra de carne brasileira) e com mercados ainda pouco explorados, como a Zâmbia. Delegações estrangeiras, como da Argélia, também têm sido convidadas a conhecer usinas paraibanas.
Enquanto isso, os Estados Unidos seguem aplicando uma tarifa-base de US$ 350 por tonelada de açúcar importado, além da nova sobretaxa de 50%. O setor brasileiro tenta reverter as barreiras dentro da investigação conduzida pelo United States Trade Representative (USTR) e que permite aos Estados Unidos apurar se outros países adotam práticas comerciais desleais ou discriminatórias contra produtos e empresas norte-americanas.
“Existem muitas manifestações a favor do fornecimento do produto brasileiro, que tem qualidade e certificações reconhecidas”, afirma Barbosa. No plano interno, o setor acompanha o programa de cerca de R$ 30 bilhões do Fundo Garantidor de Exportações anunciado pelo Governo Federal para apoiar empresas exportadoras afetadas. Segundo Barbosa, algumas empresas paraibanas já analisam pleitear crédito e compras públicas por meio da iniciativa. Ele afirma que a atuação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente Geraldo Alckmin tem sido “benéfica” ao compreender a relevância da bioeconomia brasileira.
Apesar do baque, o ânimo entre os produtores, de acordo com Barbosa, começa a mudar. “A preocupação maior está com os próximos anos. A gente encara os próximos três anos como muito difíceis e estamos nos preparando para garantir nosso espaço. No primeiro momento, o cenário parecia mais difícil. Agora, estamos vencendo e vamos continuar procurando novos mercados, outras oportunidades e até novos produtos”.
Atuando também pelo setor de etanol, os representantes da indústria paraibana rejeitam discutir uma eventual contrapartida sugerida por negociadores americanos: reduzir a tarifa sobre a entrada de etanol dos EUA no Brasil. “Isso seria matar a indústria de etanol aqui da região”, constata Barbosa, lembrando que os EUA têm um excedente do biocombustível, mas usam apenas 10% na matriz energética por pressão das petroleiras.
Setor de calçados vai transferir operações
Enquanto o açúcar busca negociar com os americanos e abrir novos mercados, o setor de calçados também vive um momento de mudança. Segundo item mais exportado pela Paraíba aos Estados Unidos, os calçados respondem por 14,5% de tudo que o estado vende ao mercado norte-americano — atrás apenas do suco de frutas, que representa quase 70%. Em 2024, o setor gerou US$ 3,59 milhões em receitas com esse destino.
Apesar da relevância, as exportações recuaram no mês em que as tarifas de Trump entraram em vigor. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços mostram que as vendas caíram de US$ 279.356, em agosto de 2024, para US$ 154.667, em agosto de 2025, uma retração de 44,6% no período.
Boa parte do desempenho histórico do setor está ligada à atuação da Alpargatas, uma das maiores responsáveis pelo volume exportado. A empresa, porém, está redesenhando sua estratégia. Procurada, informou por meio de sua assessoria que montou uma nova estrutura operacional nos Estados Unidos e deve transferir parte das operações para lá a partir do próximo ano. A partir de 2026, todas as vendas ao mercado americano serão terceirizadas.
Segundo a empresa, as futuras operações serão conduzidas por uma distribuidora já instalada em território americano, o que deve blindar as vendas do impacto direto das tarifas impostas pelo governo do presidente Donald Trump. Mesmo com as mudanças, a empresa afirma que acompanha de perto o cenário. “Todos os departamentos estão atentos às discussões sobre as tarifas, uma vez que, nesse contexto em que a gente está vivendo em relação ao governo americano, tudo sempre pode mudar”, disse a assessoria.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 16 de setembro de 2025.