Roupas não precisam ser bens de consumo descartáveis, no estilo fast fashion. Há outra tendência em contraponto a esse modelo de design comercial, chamado de moda autoral (onde encaixa-se a moda regional) que aborda aspectos de uma localidade e sua cultura. Empresários da Paraíba estão mesclando os dois modelos de negócios, envolvendo o trabalho de estilistas e designers comerciais com a exclusividade do artesanato paraibano, com destaque para a renda renascença e peças em algodão colorido.
A gestora de Turismo e Economia Criativa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas na Paraíba (Sebrae-PB), Regina Amorim, explica que a moda é um dos segmentos que compõem a economia criativa, dentro do setor de design, que pode ser gráfico ou de interiores, por exemplo. A economia criativa ainda reúne artesanato e arte popular, artes visuais, audiovisual, cinema, música, gastronomia, teatro, literatura, games, websites e startups digitais.
Segundo Regina Amorim, a moda da economia criativa tem maior valor agregado ao inserir elementos da cultura de um lugar, como peças inteiras ou com detalhes em crochê, renda renascença, algodão colorido ou em couro. “A moda autoral é cultural e pode ser atemporal. A peça é quase exclusiva, já que não há produção em série e não segue moda comercial. Há um nicho de mercado consumidor em que as pessoas querem o que é exclusivo”.
A gestora enfatiza a importância da utilização da cultura, considerando que a Paraíba é único estado do Brasil com duas cidades na Rede Mundial de Cidades Criativas da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). João Pessoa é criativa no segmento de artesanato e arte popular desde outubro de 2017, e Campina Grande, no segmento de artes midiáticas desde novembro de 2021.
Regina Amorim indica o crescimento da moda autoral, na Paraíba, inclusive com a adesão dos empresários comerciais. Nesta semana, empresários filiados da Associação Paraibana dos Atacadistas de Vestuário (Apavest), que trabalham com a economia criativa, em João Pessoa, realizaram visitas técnicas para formalizar parcerias com artesãos das cidades de Monteiro, Cabaceiras, Boqueirão e Juarez Távora.
Conforme a gestora do Sebrae, os estilistas e designers passam a ideia da coleção aos artesãos para produzir junto a eles. “Trabalhamos com negócios colaborativos, que sejam bons para ambas as partes. A economia criativa gera empregos, renda, comércio e contribui para um modelo de desenvolvimento mais inclusivo e sustentável”, explica Regina Amorim.
Feira Internacional promete ampliar negócios
A partir das negociações das visitas técnicas, os empresários vão lançar coleções para serem expostas na sexta edição da Feira Internacional de Negócios Criativos e Colaborativos, no Espaço Cultural José Lins do Rêgo, em João Pessoa, de 6 a 8 de outubro deste ano. O evento vai reunir representantes de todos os estados do Nordeste, cada um apresentando um segmento da economia criativa para promover a comercialização, gerar network nacional e internacional e apresentar casos de sucesso.
A designer de moda Chrys Vilhena, que tem uma marca homônima, adotou os valores da moda autoral no seu ateliê, que atende os clientes que buscam uma moda exclusiva, bem como empresas, com a confecção de uniformes. “Trabalhamos o viés da sustentabilidade em vários aspectos, como o conforto das funcionárias, e o reaproveitamento dos materiais, sejam nas nossas roupas ou com doações. Utilizamos tecidos com certificação de longevidade para que o descarte seja menor”.
Na Apavest, ela é representante do grupo de empresários que trabalha com algodão colorido da Paraíba. “Queremos inserir a mão de obra artesã no projeto de moda, pelo viés da sustentabilidade social, reconhecendo o trabalho e o valor deles. Vamos fazer um desfile na FINCC com as crocheteiras, o pessoal do couro e as rendeiras”, planeja.
A marca dela vai lançar no mês que vem uma coleção desenvolvida com renda renascença em parceria com a artesã Marlene Vital, de Monteiro. Em comemoração ao aniversário dela, as duas desenvolveram o design de uma flor a ser usada de diversas maneiras, seja em um vestido, no pescoço, como um broche ou um lenço. “A grande possibilidade de aplicabilidade torna o item mais sustentável”, avalia a designer.
Chrys Vilhena comenta que a inspiração é uma mulher versátil. “A coleção é voltada ao mercado de trabalho. Se a mulher trabalha cinco dias na semana, ela não tem de comprar roupa só para sair, mas principalmente para trabalhar. Para isso, pensamos numa roupa confortável e com grande durabilidade”. Ela adianta que a próxima coleção vai trabalhar com algodão colorido e linho.
Rendeira
Um aprendizado que surgiu aos sete anos de idade, vendo a mãe e a irmã trabalharem os pontos da renda renascença. Assim começou a história da artesã Marlene Vital. Mas foi a partir dos anos 2000, já adulta, que a rendeira adotou o artesanato como atividade econômica. “O conhecimento vai sendo repassado entre nós. Trocamos ideias sobre pontos e sempre queremos aprender. Em 2005, um designer deu uma capacitação muito importante, mostrando novos pontos. Eu sou muito curiosa. Quando vejo um ponto novo, desmancho e refaço para aprender”, conta.
Ela é presidente da Associação das Rendeiras da Renda Renascença do Cariri Paraibano, que reúne mais de 400 artesãs dos municípios de Monteiro, Zabelê, São Sebastião do Umbuzeiro, São João do Tigre e Camalaú. Os produtos são vendidos na loja, na sede da associação, em Monteiro, e por meio de site e perfil no Instagram. Foi assim que Chrys Vilhena conheceu o trabalho de Marlene Vital. “Fazemos parcerias com marcas que produzem peças em algodão colorido. A nossa loja física é uma grande oportunidade de venda também”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 16 de julho de 2023.