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Afroempreendedorismo

Movimento estimula renda e fortalece identidade negra

publicado: 10/11/2025 09h35, última modificação: 10/11/2025 09h35
Maioria dos donos de negócios na Paraíba é formada por pessoas pretas e pardas
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Mercado Preto é um espaço de comércio, conexão, cultura e empoderamento da comunidade | Foto: Polly Omi/Arquivo pessoal

por Samantha Pimentel*

Um movimento que existe para fortalecer a identidade negra, valorizar negócios liderados por pessoas que fazem parte dessa população e que visa estimular a geração e circulação de renda dentro dessa comunidade: essas são algumas das características do afroempreendedorismo. Historicamente enraizado na necessidade de sobrevivência e superação da falta de oportunidades, o conceito vai além de um nicho de mercado: propõe o empoderamento afro e a criação de uma rede de apoio entre empreendedores. Embora não se restrinja ao público consumidor negro, o foco está em ampliar a representatividade. A expansão desse movimento vem ganhando importância e permite refletir sobre os desafios únicos vivenciados por esses empreendedores, numa sociedade ainda marcada pelo racismo.

Em João Pessoa, o Mercado Preto consolidou-se como um espaço dedicado exclusivamente a afroempreendedores. A iniciativa surgiu no período pós-pandemia da Covid-19, quando a psicóloga Polly Omi, idealizadora do projeto, buscava uma fonte de renda extra e passou a atuar no ramo alimentício, participando de feiras de economia solidária. Ao notar a falta de acolhimento aos expositores — sem estrutura, suporte ou atenção às vendas — e a predominância de organizadores brancos, com taxas de participação elevadas, ela decidiu criar um ambiente mais inclusivo. Conciliando a maternidade com o trabalho, Polly transformou a ideia em realidade e, desde 2022, o Mercado Preto já realizou 10 edições.

“Queríamos que houvesse não só essa venda, mas a possibilidade de construirmos uma comunidade, da gente se ajudar, colaborar uns com os outros, e o acolhimento às mães empreendedoras”, relata, acrescentando que cada edição contou com cerca de 25 mercadores de diferentes segmentos — acessórios, roupas, alimentos, decoração, entre outros. Segundo ela, durante os eventos, são realizadas atividades pedagógicas e brincadeiras voltadas a uma educação afrocentrada para as crianças, além de apresentações culturais, troca de experiências, oficinas e formações para capacitar os participantes.

Para a comercialização de produtos, também foi criada uma moeda própria: a kwanza. Inicialmente, ela era usada apenas para compra de mercadorias entre eles. Posteriormente, ela foi ampliada para toda transação comercial dentro do Mercado Preto. Assim, o público pode trocar seu dinheiro em real por kwanza e, durante, esse câmbio deixa uma taxa para o Mercado, o que ajuda a subsidiar os eventos, garantindo a sustentabilidade do projeto. 

Desigualdade

Embora os pretos e pardos sejam maioria no Brasil (56,6%), apenas 16% dessa população é empreendedora, enquanto 18,6% das pessoas brancas são donas de algum negócio.  Os números são de um estudo feito, no quarto trimestre de 2024, pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).

Na Paraíba, os empreendedores negros são maioria (62,2%). O levantamento revela um perfil de empresário predominantemente masculino (69,2%), de 30 a 49 anos (52,1%). Em geral, são chefes de família (54,9%) e possuem até o Ensino Médio incompleto (57,7%). A atuação concentra-se principalmente no setor de Serviços (34,1%), seguida por Comércio (26,7%) e Agropecuária (21%). Apesar de apenas 16,4% possuírem registro no CNPJ, a maioria contribui para a Previdência Social (82,1%), o que indica uma busca por formalização e segurança. A desigualdade de renda, porém, ainda é marcante: enquanto empreendedores negros têm rendimento médio de R$ 1.738, entre os brancos o valor chega a R$ 2.908 — uma diferença de cerca de 40%.

Para a analista técnica do Sebrae, Heloísa Mirelli Diniz, e especialista em Gestão Empreendedora e Inovação, essa diferença reflete barreiras históricas no acesso a crédito, educação e redes de apoio. Ela acrescenta ainda que essas discrepâncias não são apenas números, mas representam o impacto de um ciclo de desigualdades que se perpetuam e afetam a vida dessas pessoas. “Precisamos romper esse ciclo, oferecendo soluções que reforcem negócios negros e políticas afirmativas que permitam aos empreendedores negros competir em condições mais justas. Entender que cada negócio negro é um espaço de afirmação cultural e transformação social, possibilita a redução das desigualdades e promove a inclusão”.

Potência da favela

Da periferia para o mundo, Fany Miranda mostra que o empreendedorismo negro também pode ser símbolo de sucesso e representatividade. Reconhecida pela World Creativity Organization como Liderança Criativa na Paraíba e como uma das cinco empreendedoras que geram impactos positivos, vencedora do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios em 2023, mesmo ano em que foi chamada de “potência da favela” pela Revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, ela prova que o empreendedorismo negro também é sinônimo de inovação, liderança e conquistas. Mesmo diante dos avanços, Fany ainda enfrenta os reflexos do racismo estrutural, especialmente o estereótipo que insiste em não associar o sucesso à imagem de uma mulher negra periférica.

“O estereótipo é o desafio maior”, afirma ela, que conta que, de forma geral, o perfil e a aparência que as pessoas associam a uma pessoa empreendedora bem-sucedida não é o de uma mulher negra periférica. “Isso influencia na credibilidade, porque muita gente acha que a gente não tem capacidade, por conta dessa visão racista das coisas. Por isso, quando eu vou para um lugar palestrar, ou em eventos, eu faço questão de colocar colares, brincos, acessórios, usar tranças, reafirmar esse perfil e essa identidade”.

Ela conta que na adolescência já esteve em situação de rua e faz um trabalho social voltado para esse público, além de atuar em presídios. A empreendedora brinca que tem alergia a CLT e que só trabalhou com carteira assinada uma vez na vida, para juntar dinheiro para desenvolver o próprio negócio. “Na época, por volta de 2017, consegui juntar R$ 5 mil e abri uma esmalteria. Deu certo, mas eu usava o espaço mais para receber as pessoas que buscavam o meu trabalho de artista visual e de consultoria para outros artistas”, pontua. Com isso, e após um assalto ao seu espaço da esmalteria, ela saiu do ramo e focou seus esforços no trabalho de consultoria e mentoria empreendedora.

CEO da Casa Empreendedora Hub, Fany Miranda comanda um negócio que já impactou mais de cinco mil famílias, entre as mentorias para outros empreendedores, produção de eventos culturais, palestras, formações e demais ações. Ela é também presidente da Associação de Mulheres Empreendedoras da Paraíba, que todos os anos realiza a Feira da Mulher Empreendedora, a maior de empreendedorismo feminino do Nordeste, que acontece dentro da programação da Feira Brasil Mostra Brasil.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 9 de novembro de 2025.