O empreendedorismo tem crescido e ganhado destaque no Brasil. Na Paraíba, o cenário não é diferente e a quantidade de novos negócios aumenta a cada dia. Segundo o Sebrae, apenas no primeiro trimestre deste ano foram abertos quase 14 mil pequenos negócios no estado. No Nordeste, a Paraíba foi o quarto estado com maior abertura de empreendimentos deste tipo. Para se destacar em meio a tantas opções, é preciso inovar. E, embora possa parecer o oposto, o caminho mais assertivo nestes casos é definir um segmento de atuação. É nessa hora que a representatividade se mostra uma alternativa para cativar públicos específicos e alcançar novos clientes.
Criada em maio de 2019 pelas jornalistas Ellyka Gomes e Maria Livia Cunha, a marca de acessórios em acrílico Soé oferece aos clientes produtos autorais, exclusivos e que carregam a Paraíba em cada traço. Para as criadoras, a marca nasce do desejo de conectar as pessoas ao estado e é por isso que as peças são mais do que meros acessórios. Desenhados à mão, os produtos da Soé têm histórias individuais, assim como os paraibanos têm, também, suas próprias histórias.
Os brincos, broches, pingentes e presilhas elaborados pela dupla de amigas representam aspectos da cultura popular, da história, das paisagens e das pessoas paraibanas. “Cada peça direciona o olhar da cliente para narrativas que conversam com seus afetos e com sua memória, sempre ressaltando o melhor da Paraíba”, explica Maria Livia Cunha.
Ao unir tradição e contemporaneidade, a Soé descobriu a fórmula para atravessar diversas fases nos últimos anos, sempre se adaptando ao mercado em que está inserida.
Crescimento
Neste ano, por exemplo, o empreendimento, que já tem custos abertos, iniciou uma nova etapa, agora como startup. “A marca do segmento da Economia Criativa acredita que é possível reforçar os laços de tradição, origem e identidade por meio de signos contemporâneos que alcançam diferentes públicos”, diz Maria Livia ao explicar que a Soé é a única marca de moda e umas das 41 ideias selecionadas para receber recursos do programa Centelha 2, administrado na Paraíba pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba.
“Nos próximos 12 meses, a Soé passará por um processo de expansão e consolidação da sua produção. Além disso, é a primeira marca de acessórios da Paraíba a ter os custos abertos. Isso significa que, na loja on-line, a ficha técnica com os custos dos produtos está acessível às nossas clientes. A marca acredita que a transparência fortalece a relação de confiança com o público, especialmente quando se trata de um produto criativo”, observa.
Iniciativas conectam empreendedorismo e amor ao estado
Existem mais de 93 milhões de brasileiros envolvidos de alguma forma com o empreendedorismo hoje. Segundo o Global Entrepreneurship Monitor 2022 (GEM), levantamento realizado pelo Sebrae e pela Associação Nacional de Estudos em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas (Anegepe), entre a população adulta, de 18 a 64 anos, 67% das pessoas já tem um negócio ou pensa em ter. Isso significa que o Brasil é o segundo país do mundo com o maior número de interessados em ter o próprio negócio e, em números absolutos de potenciais empresários, só fica atrás da Índia.
De acordo com o presidente do Sebrae, Décio Lima, ao invés de frear a idealização de novos negócios, a pandemia foi a alavanca para o crescimento considerável do empreendedorismo nos últimos anos. “A pandemia fez uma grande revolução na vida das pessoas e foi um estopim para o crescimento do empreendedorismo no país, seja pela escassez de empregos que ocorreu ou pela nova forma de ver o mundo e novos desejos adquiridos”, avalia.
O cenário descrito pelo presidente do Sebrae foi, de fato, o catalisador para o nascimento de diversos negócios, dentre eles o Xica do Pote, um empreendimento paraibano, cuja ideia surgiu em setembro de 2020, durante os momentos mais ávidos da pandemia de Covid-19, quando o Brasil passava por um período de lockdown. Campinense, a loja foi sonhada pelas irmãs Daiane e Danielle Bezerra. À época, Daiane trabalhava apenas como merendeira na Prefeitura Municipal de Campina Grande e Danielle estava como colaboradora temporária em um programa de assistência social.
“A gente estava sem saber o que viria pela frente. E Daiane queria fazer algo que complementasse a renda, mas que também nos possibilitasse colocar amor; algo diferente. Ela disse para produzirmos alguns potes de cimento e eu concordei. A gente não sabia de absolutamente nada sobre o assunto, mas decidimos tentar e começamos a produzir”, conta Danielle Bezerra.
Embora ainda não tivesse um conceito bem consolidado, a ideia inicial de Daiane de produzir potes de cimento foi o suficiente para que as irmãs se dispusessem a colocar, literalmente, a mão na massa. Mas a paixão de Danielle pelo estado onde a dupla nasceu pulsava no peito e era sempre uma lembrança de que faltava algo mais na produção. Foi assim que surgiram as delicadas pinturas que são, hoje, a marca registrada do trabalho desenvolvido na Xica do Pote. De lá para cá, além das pinturas, os produtos também passaram por uma reformulação no material principal, que deixou de ser cimento e passou a ser barro, conferindo uma estilística regional e interiorana aos produtos da loja.
“Sempre amei o estado em que eu nasci e tudo que envolve a cultura da Paraíba. Eu tinha esse desejo muito forte de fazer algo relacionado a isso. A ideia foi surgindo e começamos a fazer as pinturas. Com elas, tivemos a ideia de pintar peças de barro, o que foi uma ressignificação daquela peça tradicional nordestina, do cotidiano nordestino. E foi um gatilho, foi a ligação do trabalho que nós estávamos nos propondo a fazer com a cultura do nosso estado e do nosso lugar”, diz Danielle ao contar que, neste momento, o empreendimento familiar começou a ter um propósito.
Inspiração para coleções
Com um conceito mais consistente, os pensamentos das irmãs começaram a ficar mais claros e novas ideias foram surgindo. Entravam em cena as coleções Xica do Pote, que têm para si um espaço reservado no coração de Danielle. “Uma das primeiras coleções que criamos, refletindo o nosso estado e a beleza que tem nele, foi a Renascença Paraíba, com peças muito utilizadas por nós, como a quartinha e o filtro de barro. E vieram as outras, como as coleções Sertão e Cordel, que conquistaram os clientes e nos ajudaram a crescer”. E a loja cresceu tanto que hoje já tem espaço físico e é responsável por toda a renda de Danielle e principal fonte de renda da irmã, Daiane, que ainda trabalha como servidora pública.
“O encantamento de tudo isso eu atribuo ao fato de conseguirmos imprimir em cada peça memórias afetivas. Não tem uma coleção que não tenha sido desenvolvida com algo muito particular nosso”, avalia Danielle Bezerra.
Na loja física, é possível encontrar não apenas as peças confeccionadas pelas “xicas”, como se chamam Daiane e Danielle, mas também uma experiência afetiva, de conexão e reencontro com raízes. Na casinha amarela com parte dos tijolos à vista onde fica a loja, o visitante encontra bandeirolas de São João, fuxicos costurados pela bisavó das “xicas” e até mesmo uma árvore personalizada por elas.
“É algo ligado à nossa história. Está no nosso DNA. E se tem uma coisa que eu posso atribuir como segredo de sucesso, que não existe segredo, mas que eu posso atribuir ao sucesso, é a gente conseguir passar a nossa verdade. O amor mais puro que existe dentro de nós. Porque amamos muito essa cidade. Amamos muito esse estado”, garante Danielle.
Peças reproduzem amor
Com coleções pensadas cuidadosamente, a Soé também é fruto do amor de Ellyka e Maria Livia pelo estado. E essa paixão se traduz já no nome da marca, que tem o rio Soé, também conhecido como Rio da Guia como influência. O rio, que corta os municípios de Santa Rita e Lucena, é, segundo as criadoras, paraibano, fácil, curto e forte. Assim também são as coleções da marca, cujos modelos disponíveis na loja virtual www.soeparaiba.com.br se esgotam rapidamente. As peças da coleção mais recente, em homenagem ao São João, por exemplo, mal chegaram ao estoque e já arrebataram o público não só pela beleza dos acessórios, mas também pelo cuidado e pela estratégia empregados na campanha de divulgação, que anuncia que “junho tem cheiro de fogueira e tem gosto de milho assado, pamonha e canjica. É quando o sanfoneiro aperta o fole e a gente toma uma lapada de cachaça para esquentar. Aqui é inverno, e pra gente 22 graus é frio” e prova que, na paraibanidade contemporânea, empreender é, também, voltar à raiz.
Matéria publicada originalmente na edição impressa de 11 de junho de 2023.