Poucas alianças são tão promissoras e desafiantes quanto a da educação com a tecnologia. Na Paraíba, 14,53% das startups atuam como edtechs — empresas que desenvolvem soluções tecnológicas voltadas para o ensino. É o segundo maior percentual entre os estados do Nordeste. Essas iniciativas criam plataformas de aprendizagem on-line, ferramentas de avaliação, sistemas de gestão pedagógica, conteúdos digitais e outras inovações que buscam aprimorar os processos educacionais.
O Sebrae Startups Report – Região Nordeste 2025, estudo produzido pelo Observatório Sebrae Startups, analisou 351 startups paraibanas, considerando porte, segmento, modelo de receita, grau de maturidade e formato de negócio, e ofereceu um panorama técnico e detalhado do atual estágio da inovação no Nordeste. Entre as empresas mapeadas está a Qstione, fundada em 2015 pelo professor de medicina Fabrício Garcia, a partir de uma inquietação vivida por ele em sala de aula: a dificuldade de construir avaliações pedagógicas alinhadas ao currículo e que gerassem dados confiáveis sobre o aprendizado.
O que começou como uma solução para uso próprio evoluiu para uma plataforma robusta de gestão educacional baseada em evidências, utilizada por instituições públicas e privadas em diversos estados do país. A empresa iniciou focada no Ensino Superior e hoje já atua em múltiplas frentes, incluindo parcerias com municípios e estados voltadas para o ensino básico e políticas públicas educacionais.
“Um dos maiores problemas da educação é a gestão pedagógica: é alinhar o currículo ao planejamento de ensino e à avaliação, fazendo com que os professores consigam trabalhar e aplicar o que foi planejado e avaliar aquilo que foi ensinado. Esse é o grande desafio que a gente trabalha na Qstione, e nossas tecnologias são voltadas para isso, para a pedagogia. Diferentemente de outras empresas que são empresas de tecnologia na educação, nós somos uma empresa de educação com tecnologia. É o inverso”, explica Garcia.
A startup mantém atualmente uma estrutura com cerca de 25 colaboradores. Segundo ele, cerca de 20% das faculdades privadas de Medicina do país utilizam a Qstione em seus processos avaliativos. Além disso, a empresa desenvolveu uma solução tecnológica para gestão curricular integrada ao planejamento e à avaliação, com foco em melhorar indicadores como o Valor Aluno Ano Resultado (VAAR/Fundeb), mecanismo de repasse de recursos federais aos entes federativos.
Para Cláudio Furtado, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior da Paraíba (Secties), as startups do setor de Educação possuem um papel estratégico na inovação local no aprimoramento do ensino. “É muito importante que essas soluções venham das empresas aqui do estado. Algumas dessas startups se destacaram nacionalmente com produtos que foram apoiados pelo Governo do Estado”, explica. Segundo o secretário, as edtechs desenvolvem produtos voltados à melhoria da qualidade do ensino, muitas vezes a partir de demandas da própria gestão pública.
Um exemplo disso é o edital do programa Conectando Startups, lançado no ano passado com o objetivo de apoiar o desenvolvimento de startups. Uma das chamadas foi específica para a área da Educação. O edital resulta de uma parceria da Secties com a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq) e está vinculado ao Parque Tecnológico Horizontes de Inovação (PTHI).
Segundo Furtado, há planos de expansão do apoio institucional com a inauguração do PTHI, em setembro, do prédio que, anteriormente, abrigava o Colégio Nossa Senhora das Neves, situado no Centro Histórico da capital paraibana. Com isso, novas chamadas públicas devem surgir, inclusive com foco em temas como longevidade e jogos digitais, setores estratégicos para a Paraíba. O secretário também destaca a interiorização do ecossistema de inovação, com polos de tecnologia em estudo fora da capital.
Mais de 46% das empresas estão em validação
Outro aspecto revelado pela pesquisa do Sebrae é que 46,15% das startups da Paraíba estão na fase de validação, índice que coloca o estado no topo do ranking nordestino também nesse quesito. Isso significa que quase metade dos empreendimentos estão testando suas soluções no mercado, coletando dados, ajustando estratégias e construindo os primeiros resultados reais.
A própria Qstione já superou essa etapa. Hoje, de acordo com Fabrício Garcia, a empresa encontra-se no estágio de escala — a fase mais avançada do ciclo de desenvolvimento de uma startup. “A gente já é reconhecido nacionalmente, temos projetos com a Unesco, com estados do Sudeste e do Norte, e seguimos crescendo para nos consolidar como uma empresa grande no setor educacional”, afirma.
Ainda de acordo com o estudo, 86,73% das startups da Paraíba são microempresas, o que evidencia o caráter emergente do ecossistema de inovação local. O modelo de financiamento mais comum é o de Assinatura (SaaS), com 42,74% de adesão. Nesse modelo, o cliente paga um valor recorrente para acessar os serviços da empresa, geralmente via plataformas on-line, o que permite previsibilidade de receita e escalabilidade.
Já o modelo de negócios B2B (business to business), adotado por 41,03% das startups paraibanas, indica que a maioria das soluções desenvolvidas no estado é voltada para atender outras empresas ou instituições, como escolas, faculdades, prefeituras e órgãos públicos. É o caso da própria Qstione, que tem como principais clientes as redes de ensino e instituições de Educação Superior.
“É muito importante que você tenha soluções vindas de empresas aqui do estado. E isso faz com que a gente tenha um capital aí que possa atuar também além-fronteira”, diz Furtado. Na união entre tecnologia e Educação, cada um dessas áreas do conhecimento empresta à outra o que tem de mais potente: a linguagem da inovação de um lado, o compromisso com o futuro do outro. “A tecnologia é um meio de levar a educação de maior qualidade para as pessoas. Então, a gente tem esse lema e é essa a nossa essência de trabalho”, conclui o fundador da Qstione.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 27 de julho de 2025.