Basta dar um breve passeio pelo Centro de João Pessoa para perceber que o comércio está cheio de lojas de produtos chineses dos mais variados tipos, sendo bolsas e brinquedos os mais comuns, mas também é possível encontrar roupas, chapéus, guarda-chuvas e produtos eletrônicos. Os preços são geralmente bem mais baixos do que os praticados no restante do comércio, que não vê com bons olhos a situação.
“É uma concorrência desleal, um absurdo”, disse o presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas de João Pessoa (CDL-JP), Nivaldo Vilar. Segundo ele, esses lojistas conseguem praticar preços tão baixos por não pagarem impostos e por oferecerem produtos falsificados que não passam por nenhum teste de qualidade.
A reportagem recebeu relatos de pessoas que, ao fazerem compras nessas lojas, não conseguiram receber nota fiscal. Apesar disso, em visita não identificada a algumas lojas no Centro, a repórter recebeu nota após a compra. Isso porque nem todas as lojas operam na ilegalidade, conforme explicou Paulo Sérgio Costa, inspetor da Receita Federal.
“Muitas realmente trazem os produtos legalmente para o Brasil, têm registro, pagam imposto e conseguem ter lucro porque esses produtos são realmente muito baratos na China”, afirmou ele, acrescentando que, ainda assim, a Receita, a Polícia Rodoviária Federal e outros órgãos de fiscalização apreendem mercadorias irregulares toda semana.
O inspetor disse que a fiscalização é realizada de duas formas. A primeira delas ocorre nas portas de entrada de mercadorias, como transportadoras, Correios e aeroportos. A ideia é impedir que os produtos irregulares cheguem ao comércio. Muitos, no entanto, acabam chegando ao país escondidos, atravessando a fronteira pelo Paraguai ou por navios que aportam em portos clandestinos.
É onde entra a segunda forma de fiscalização, que é feita nas lojas que, com frequência, recebem a visita de fiscais da Receita e outros órgãos, como Procon e Inmetro. “De vez em quando, a Receita vai até aquelas lojas do Centro e sempre apreende muita mercadoria falsificada”, revelou. Paulo Sérgio explicou ainda que a mercadoria falsificada precisa ser destruída, enquanto a que não é falsificada, mas foi importada de forma irregular, pode ser doada ou leiloada pela Receita.
O inspetor admite que, em muitas situações, fica difícil para o consumidor entender se o produto que está comprando é legal ou não. “Se você sabe que um tênis de uma determinada marca custa em média R$ 500, aquele que você encontrou na loja por R$ 150 deve ser falso”, comentou. No caso de produtos que não são de marcas famosas, porém, fica difícil ter certeza. De acordo com Paulo Sérgio, há histórico até de selos do Inmetro falsificados.
“Já fizemos uma fiscalização em parceria com o Inmetro aqui da Paraíba e encontramos nessas lojas brinquedos que tinham o selo do Inmetro, mas, quando a gente ia ver, era um código que se referia a outro tipo de brinquedo. Ou seja, eles aprenderam a falsificar o selo, e o consumidor que não sabe daquele código não iria descobrir”, lembrou.
“A legislação também prevê que o produto deve ter a indicação ‘importado por’ com o nome da empresa importadora, mas, em muitos casos, eles colocam nomes de empresas que não existem, que já fecharam ou que nunca trabalharam com importação”, afirmou Paulo Sérgio, acrescentando que os grupos envolvidos nessa prática não são amadores.
Órgãos promovem fiscalizações tanto na importação quanto no comércio
Direitos do consumidor devem ser respeitados
Em visita às lojas, a reportagem foi informada pelos vendedores que teria sete dias para realizar a troca do produto escolhido, mas observou irregularidades em relação aos direitos do consumidor. Em muitas delas, não havia o livro do Código de Defesa do Consumidor à vista, nem a placa de combate à discriminação que os estabelecimentos comerciais precisam ter de acordo com lei estadual.
Além disso, o presidente da CDL-JP, Nivaldo Vilar, afirmou que muitos dos produtos não têm data de validade, garantia ou assistência técnica caso venham a apresentar defeitos. Para ele, as lojas on-line, como Shein e Shopee, acabam sendo piores nesse quesito, pois dificultam a devolução e troca do produto. “Já ouvi muitas histórias de pessoas que compraram nessas lojas e depois ficaram com o maior problema para trocar”, disse.
De acordo com o assessor jurídico do Procon Paraíba, Wescley Silvino, reclamações nesse sentido não são comuns no órgão, talvez pelo desconhecimento das pessoas de que elas também têm os mesmos direitos em relação aos produtos importados. “Recomendamos que o consumidor sempre peça o cupom fiscal e, se houver qualquer problema, pode procurar o Procon”, aconselhou.
Operação Criança Segura
O Instituto de Metrologia e Qualidade Industrial da Paraíba (Imeq-PB) está realizando a Operação Criança Segura, em alusão ao Dia das Crianças, que se aproxima. Com isso, as equipes de fiscalização vêm visitando lojas de brinquedos, bicicletas e cadeiras infantis, entre elas as que vendem produtos chineses, para se certificar de que as mercadorias possuem o selo do Inmetro.
O diretor superintendente do Imeq-PB, Arthur Galdino, afirmou que o brinquedo ser importado não é um problema por si só. “O brinquedo chinês pode até ser melhor, mas quem vai dizer isso são os órgãos de controle, que realizam testes de laboratório para saber se o brinquedo é seguro, se tem substâncias tóxicas, partes que podem ser engolidas, qual é a faixa etária adequada”, explicou, ressaltando que é daí que vem a importância do selo.
“Nosso trabalho também é muito educativo, porque teríamos que ter uma equipe 50 vezes maior para dar conta de fiscalizar todas as lojas com frequência. Mas, se tem produto falsificado à venda, é porque tem quem compre, então buscamos fazer essa conscientização”, comentou.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 06 de outubro de 2024.