A sensação de que existe uma farmácia a cada esquina não surgiu por acaso. Na Paraíba, são 3.375 estabelecimentos atualmente em funcionamento, um crescimento de 81% desde o início da pandemia, em 2020, segundo dados da Junta Comercial do estado (Jucep). Só em 2025, 186 novas farmácias foram inauguradas. A multiplicação das farmácias tem razões mais simples e, também, mais profundas do que se imagina. A justificativa está em fatores que vão desde a mudança demográfica até a transformação do modelo de negócios.
O mercado farmacêutico brasileiro vem se expandindo de forma acelerada, impulsionado pelo envelhecimento da população, pelos hábitos de automedicação e por estratégias de marketing cada vez mais agressivas. Além disso, muitas pessoas recorrem às farmácias como primeiro ponto de cuidado em saúde.
O analista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas da Paraíba (Sebrae-PB) especialista nesse setor, Alexandro Teixeira, ajuda a explicar como as grandes redes conseguiram esse ganho de mercado com tanta rapidez. “Essa ampliação veio por meio de escala, aproveitando capital para automação, logística, marketing e programas de fidelidade. Elas negociam com fornecedores volumes muito maiores, o que reduz o custo unitário do estoque”, avalia.
Nesse sentido, ele afirma que as grandes redes vêm transformando o tradicional balcão de medicamentos em plataformas multifuncionais de varejo de saúde, beleza e bem-estar, o que amplia seu raio de ação. Além de oferecerem medicamentos, as farmácias ampliaram o mix de produtos e serviços e passaram a atuar também como lojas de conveniência e canais de e-commerce, multiplicando-se lado a lado nos bairros.
A diversificação da oferta de remédios, cosméticos, suplementos e itens de conveniência engordam o caixa. O vice-presidente do Sindicato dos Farmacêuticos da Paraíba, Sérgio Luis, observa que “quanto mais farmácias juntas, mais farmácias vão se abrir para pesquisa de preço”. Ele conta que, muitas vezes, a farmácia se estabelece em determinado endereço por facilidades logísticas para a realização de entregas, a partir de posicionamento estratégico nos bairros e nos grandes corredores viários da cidade.
Pressão das redes
Grande parte do crescimento explica-se por fatores que não estão no balcão da farmácia. Um exemplo é o uso crescente de dados de clientes pelas grandes redes. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) já instaurou processo administrativo para investigar o uso de perfis comportamentais com fins econômicos pela RaiaDrogasil, que registra compras identificadas por CPF em 97% das operações (cerca de 50 milhões de pessoas) e, supostamente, usa esse histórico para publicidade e segmentação. Procurada pela reportagem, a empresa não respondeu ao pedido de entrevista.
Outro campo de disputa envolve direitos de venda fora da farmácia tradicional. O setor supermercadista pressiona para que medicamentos sem prescrição possam ser vendidos em supermercados, o que, segundo farmácias independentes e especialistas, ameaça participação, serviços de orientação e sustentabilidade do negócio farmacêutico.
Para o vice-presidente do Sindicato dos Farmacêuticos da Paraíba, esse modelo de vendas ostensivas descaracteriza o estabelecimento de saúde e prejudica o profissional farmacêutico. “Existe uma pressão enorme que o cliente não vê para atingir metas. Não é muito diferente de uma loja de eletrodomésticos, por exemplo. Isso vem causando certo adoecimento. Não só dos farmacêuticos, como dos atendentes”.
Setor tem espaço para pequenos empresários
Em meio à disputa das grandes redes, a paraibana Fabiana Silva, 40 anos, decidiu abrir o próprio negócio. Depois de trabalhar como balconista e no setor de internet, ela e o marido compraram três farmácias, nos bairros de Oitizeiro, Valentina e Rangel. “Eu não entendia nada sobre o setor. É um mercado amplo e financeiramente lucrativo, mas também de muito trabalho”, diz Fabiana, que há um mês está à frente das lojas.
Ela ainda tenta entender todos os processos financeiros da empreitada que resolveu encarar. Uma das mudanças que implementou nos primeiros 30 dias foi o atendimento virtual e a realização de entregas. “Por enquanto, estamos atendendo só pelo WhatsApp. Mas, logo, neste mês de novembro, vamos iniciar as vendas por iFood. Nas três farmácias não tinha esse trabalho de entrega antes”.
Se tem um aspecto que ela não pretende mudar, é o atendimento mais próximo e pessoal com os clientes. “A maioria das pessoas daqui são moradoras da região, já conhecem todo mundo. A gente faz aferição de pressão, aplica injeção; temos aquele contato próximo, porque nas grandes redes não tem isso”.
Trilhas abertas
Ainda há mercado para os pequenos empreendedores como Fabiana Silva. Para o analista do Sebrae-PB especialista nesse setor, Alexandro Teixeira, o diferencial competitivo está justamente na proximidade com o cliente e na personalização do atendimento. “São espaços de confiança, onde o cliente encontra orientação, escuta e conveniência. Esses são atributos que, muitas vezes, se perdem nas grandes redes”, aponta.
Teixeira recomenda que esses pequenos empreendimentos invistam em digitalização acessível e formação em gestão. “Mesmo com poucos recursos, é possível modernizar o negócio com ferramentas simples, como o uso do WhatsApp Business, o Google Meu Negócio e as redes sociais. Além disso, devem focar em gestão financeira eficiente, controle de estoque, planejamento tributário e boas práticas regulatórias”.
Outra via potente está na formação de redes colaborativas ou cooperativas regionais: “Quando as farmácias independentes se unem, conseguem negociar melhores preços com fornecedores, compartilhar estratégias de marketing e investir em tecnologia de forma coletiva”.
O desafio, claro, é grande: é preciso apoiar-se em gestão, tecnologia e cooperação para manter a relevância. “O futuro do varejo farmacêutico será cada vez mais plural e as farmácias independentes que investirem em gestão, inovação e relacionamento humano continuarão exercendo um papel essencial nas comunidades locais”, constata Alexandro Teixeira.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 4 de novembro de 2025.