Glúten, lactose, açúcar, carne, ovos. Não é muito difícil encontrar quem não consuma algum desses alimentos, seja por alergias, questões de saúde, ou, até mesmo, uma dieta para manter a boa forma. Dessa forma, fica difícil comer fora de casa, mas alguns empresários perceberam esse nicho de mercado e já atuam voltados para esse público.
É o caso de Élida Amorim e Neto Porto, mãe e filho, sócios na padaria Delaine Sem Trigo, localizada no bairro de Miramar, em João Pessoa. Há alguns anos, Élida descobriu ter doença celíaca, que se caracteriza por uma forte intolerância ao glúten, proteína presente principalmente no trigo e cevada.
Com isso, ela começou a aprender algumas receitas compatíveis com a sua dieta e despertou o interesse de alguns conhecidos, que começaram a fazer pedidos. Ela e o filho, que tem intolerância à lactose, perceberam a oportunidade de negócio e assim nasceu a Delaine Sem Trigo, há quatro anos. Desde então, Neto estima que a empresa já atendeu cerca de 8 mil clientes.
Atualmente, a Delaine vende pães, bolos, salgados e doces de diversos tipos, tudo sem glúten e sem lactose. Eles trabalham com entrega em domicílio ou retirada no local, e também é possível fazer encomendas para festas.
Há a opção de fazer pedidos de produtos sem ovos, sem açúcar e outros potenciais alérgenos, como proteína do leite, amendoins, castanhas, nozes, entre outros. “A maior parte dos nossos produtos já não tem esses ingredientes, mas nossos funcionários são orientados a sempre perguntar aos clientes sobre alergias, para termos certeza que estamos escolhendo o produto certo para aquela pessoa”, explicou Neto Porto.
Ele destacou que a proposta da empresa é de uma “alimentação inclusiva”, ou seja, produtos que todos possam comer e compartilhar. “Depois que minha mãe descobriu a intolerância dela, quase não tinha vida social, porque ela não pode sair com os amigos para comer em restaurantes, como as pessoas geralmente fazem”, comentou Neto.
O empresário destacou que o grande problema para os celíacos é a questão da contaminação cruzada, que é a que ocorre pelos utensílios de cozinha. Mesmo que um determinado alimento não tenha glúten, se ele foi assado junto a outro que tenha, ou se os mesmos utensílios de cozinha forem utilizados em ambos, pode ocorrer a contaminação cruzada. “Até o prato que é usado no restaurante, se ele normalmente é usado com comidas com glúten, ele fica contaminado”, afirmou.
Por isso, Neto contou que a cozinha da Delaine é subdividida em três, com utensílios exclusivos para cada uma. “O que é usado na cozinha que tem ovo, por exemplo, só fica nela”, disse. Além disso, quando os funcionários consomem algum lanche, o fazem na área externa, se limpando nos vestiários antes de entrar na cozinha novamente, para não correr o risco de trazer alérgenos de fora.
Por conta de todo esse cuidado e responsabilidade, além do fato da maior parte das matérias-primas serem importadas, esse tipo de alimento costuma ser mais caro, mas o empresário garante que há mercado para isso. “Há pesquisas que estimam que João Pessoa tenha cerca de 70 mil pessoas com doença celíaca. Também tem os intolerantes à lactose, e os diabéticos, que já deve ser um número bem maior”, comentou.
O objetivo agora é transformar a loja também em uma cafeteria, para que os intolerantes possam ter o espaço de convivência e socialização que Elaine não teve. “Logo que abri aqui, apareceu um grupo com uns oito celíacos de uma vez. Eles queriam se reunir aqui para lanchar, então a gente vê que existe uma carência disso”, contou Neto. Ele explicou que, após algumas adaptações que estão em curso, deve ser capaz de receber até 22 pessoas por vez no espaço.
Doceria aposta em comidas “inclusivas”
A alimentação inclusiva também foi citada pela empreendedora Alhandra Alvim, que, com mais duas amigas, fundou a doceria vegana Gato Doce. Criada em 2013, a princípio, a empresa trabalhava com cookies personalizados, não veganos. “Foi em 2015, quando me tornei vegana, que esse processo também foi para a Gato Doce”, explicou ela.
Em 2016, ao participarem de uma feira voltada para o público vegano, mais três itens foram incluídos no cardápio, além dos biscoitos: brownie funcional, cuca de banana e bolo de chocolate. “Daí em diante, praticamente todo mês a gente lançava um produto novo e vem ampliando o cardápio da Gato Doce”, afirmou.
Ela estima que 80% do seu público não seja vegano. “É um produto para todo mundo. Já fiz bolo de casamento em que só a noiva era vegana. Já fiz coffee break para uma palestra em que a palestrante era vegetariana, e todo mundo ficou encantado. É possível o produto vegano ser extremamente saboroso e inclusivo”, argumentou.
A empreendedora contou que a doceria, que trabalha com encomendas, também atende muitas pessoas com intolerância alimentar, principalmente a lactose e ovos. “Ainda uso açúcar demerara nas minhas receitas, e glúten nos bolos, mas estou analisando como encaixar pessoas que também precisam fazer essas restrições. Porém, se a pessoa me diz que tem uma alergia que não pode nem consumir traços, eu não consigo atender, porque não tenho uma cozinha totalmente livre de traços”, esclareceu.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 10 de novembro de 2024.